quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

O que mais gostei de ler em 2024


 FICÇÃO

- "A Selva" de Ferreira de Castro
- "Atos Humanos" de Han Kang
- "Coração de Trevas" de Joseph Conrad
- "Os Meninos de Ouro" de Agustina Bessa-Luís
- "Os Reinegros" de Alves Redol



NÃO FICÇÃO

- "Património Alimentar de Portugal" de Maria Manuel Valagão



POESIA E OUTROS GÉNEROS

- "99 poemas" de Ryõkan
- "A Sombra do Mar" de Armando Silva Carvalho
- "Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa" de Rosa Maria Martelo
- "Aware" de José Rui Teixeira
- "Geórgicas" de Vergílio
- "Museu da Angústia Natural" de Luís Filipe Parrado
- "Turquesa" de Daniel Maia-Pinto Rodrigues



BANDA DESENHADA

- "O Diário Do Meu Pai" de Jiro Taniguchi
- "Rugas" de Paco Roca
- "Vale dos Vencidos" de José Smith Vargas



FOTOGRAFIA E ARTES

- "Alberto Carneiro - Natureza Dentro" de Duarte Belo
- "De Natura" de Cristina Ataíde
- "Ph.03 - Helena Almeida" com textos de Delfim Sardo

Arte & Cultura: o que mais gostei em 2024


 - "Acid Flamingo" de Nuno Cera @ MUHNAC

 - "Cruz-Filipe. Modo de ver" @ Fundação Calouste Gulbenkian

 - "Japão: Festas e Rituais" @ Museu do Oriente

 - "Mar Aberto" de Nicolas Floc'h @ MAAT

 - "Não vá o diabo tecê-las! A Tapeçaria em diálogo a partir da Coleção Millennium BCP" @ Torreão Nascente da Cordoaria Nacional

 - "Netsuke" de Albano Silva Pereira @ Pavilhão Branco

 - "Os dias estão numerados" de Daniel Blaufuks @ MAAT

Dos Dias: o que mais gostei em 2024


- A Memória das Palavras - Poetas e Escritores @ Cemitério dos Prazeres
 - As Nossas Vozes - Participar na Democracia, Cuidar de Abril @ Auditório da BMO
 - Até que a morte nos separe @ Cemitério dos Prazeres
 - Conchoso @ Barco Varino Liberdade
 - Desenho no Jardim com Sara Simões @ Casa da Cerca
 - Maresia - ensemble inclusivo Notas de Contacto @ Fundação Calouste Gulbenkian
 - Viagem ao Japão Através dos Livros @ Museu do Oriente
 - XV Jornadas Llansolianas - Llansol: Os Rostos da Paisagem @ Espaço Llansol

Ecrãs: o que mais gostei em 2024

  •  "Aldina Duarte: Metade Metade" @ RTP
  •  "Arroz" de Lin Hwai-min @ RTP Palco
  • "A secreta harmonia do mundo: Fiama Hasse Pais Brandão" @ RTP2
  • "Vinhos com História" @ RTP

Filmes & Docs: o que mais gostei em 2024

 - "Dias Perfeitos" de Wim Wenders @ Atlântida - Cine Carcavelos

 - "Morangos Silvestres" de Ingmar Bergman @ TvCine Edition

 - "No Interior do Casulo Amarelo" de Thien An Pham @ Cinema Medeia Nimas

 - "O Mal Não Está Aqui" de Ryûsuke Hamaguchi @ TvCine Edition

 - "O Som do Nevoeiro" de Hiroshi Shimizu @ TvCine Edition

 - "Para Sempre Mulher" de Kinuyo Tanaka @ Cinema Medeia Nimas

 - "Sonata de Outono" de Ingmar Bergman @ TvCine Edition

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

"Memória De Um Campo" de Joan Margarit

 
"Era um vinhedo antigo junto a uma margem
coberta por um caos de silvas e de mato.
Limpo, ficou subitamente à vista
- firme e alto - um muro de pedra.
Transmitia beleza e verdade,
como um bom poema,
porque, para dizer o que se sabe,
são precisos anos: esperar que as memórias
se confundam connosco.
Como aquele muro tão forte de pedra, súbito,
precisamos de tempo para irmos assentando.
É então que ser velho tem vantagens:
podemos ser fortes e claros, como o muro,
sem ignorarmos a morte, pois ignorá-la
é não ter compreendido nada da vida."



Joan Margarit em "Animal de Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 163

"Vincent Van Gogh" de Joan Margarit

 "Ele devia saber: do mundo real,
a verdade mais difícil
é a simplicidade com que a vida acaba.
Porque fora do mundo real não existe nada.
Uma árvore, uma montanha, o silêncio, a chuva
são sempre verdade. Não precisam
da turbidez das teorias,
do mundo pretensioso que pensa que a morte
- que não é senão o fim de uma vida -
é alguma verdade final e transcendente.
Pintor de firmamentos, de sapatos, de camas e cadeiras,
de trigais sobrevoados pelos corvos,
Vincent Van Gogh não se deixou enganar."



Joan Margarit em "Animal De Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 143

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

"Uma Alegre Prudência" de Joan Margarit

 (César Franck: Sonata para Violoncelo e Piano em Lá Maior)

"Tanto foi o que ignorei e o que perdi.
E no entanto salva-me o poderoso
som de Jacqueline du Pré, a violoncelista
que morreu muito jovem.
Cada um é o solista do seu próprio silêncio:
tem de saber muito bem quando deve entrar.
Se calhar sou um rato empedernido pela dor
que numa manhã de Primavera
parou para ouvir o canto dos pássaros."



Joan Margarit em "Animal De Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 127

"Construir" de Joan Margarit

 
"Construir bem uma casa é falar
com afecto às pessoas
que jamais conhecerás. Como na paixão,
quando há fissuras num edifício
tens de perguntar-te sempre
se é melhor reforçar ou demolir
para construir de novo.
Reforçar às vezes mete medo, é mais difícil.
Só sabemos avançar:
o nosso alimento é a esperança.
Eis o mistério de um fracasso."



Joan Margarit em "Animal De Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 95

domingo, 22 de dezembro de 2024

"Outono Em Elizondo" de Joan Margarit

 
"A chuva e a luz parda fazem brilhar
a calma folhagem das faias, avermelhada.
Com a sua beleza,
tentam confirmar que as árvores pensam
e que, se um dia conseguíssemos perder o medo,
seríamos como o vermelho
faial que agora vejo.
Uma árvore é para mim um mistério calmo.
E sinto que gostaria de morrer num sítio
donde se avistasse um bosque como este,
que das raízes aos ramos é um sinal
de uma paz que ignoro."



Joan Margarit em "Animal De Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 85

"Um Preço" de Joan Margarit

 
"Entre os meus livros, tenho encontrado alguns
de Thomas Hardy: eram os que eu lia
enquanto ela, muito séria, ouvia
a sua música. Ao domingo à tarde
íamos a um café na Rambla.
Há sempre alguma coisa que me lembra
que ainda tenho aquela filha jovem,
apesar de já não estar cá há vinte anos.
E os cafés também não.
Os lugares aos quais
seguramos a nossa vida
são sempre os mais duros: é onde fica
tudo o que tem a ver com amar."



Joan Margarit em "Animal De Bosque"
Língua Morta | Flâneur, Abril de 2024
Página 71

terça-feira, 1 de outubro de 2024

"Aware" de José Rui Teixeira (VIII)

 "Já não temo a noite.
Desço por fios de fumo
esticados, digo do que cai
apenas poucas palavras,
protuberâncias mínimas,
ditames curativos
para os dias mais escuros.

Sento-me diante do mar
com a incomparável paciência
de quem espera um tsunami.

Sei que a solidão é arúspice.
Fala-me de catástrofes
e da urgência de esperar."



José Rui Teixeira em "Awake"
Officium Lectionis, 2024
Página 76

"Aware" de José Rui Teixeira (VII)

 
"Os figos na fruteira, em cima da mesa,
duas romãs, a luz madura
dos dias pequenos.
Segredei-te um amor de circunstância,
desejei ir embora.

Mas a tua beleza permanece no contorno
da minha memória, mortífera
como humidade ou abandono.

Passaria horas a tocar-te, ambidestro,
desejando ir embora.

Sob a lâmpada da tua nudez
a beleza é um segredo que geme
o lugar que ocupa.

No jardim, as aves canoras
descem à anatomia do silêncio
e a noite recorda
de litania em litania
que eu parti há muito."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 74

"Aware" de José Rui Teixeira (VI)

 
"A tua presença explicava o outono,
trazia a integridade da terra,
um silêncio orbicular alteado
sobre a turbulência de não saber ainda
a morte nas folhas caídas.

Hoje o outono vem sem ti.
Já não me acode o teu silêncio.

Agora falamos, todos falamos.
Somos fluentes na mesma miséria."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 68

"Aware" de José Rui Teixeira (V)

 "Se descer aos infernos não esquecerei
que ensaiei a queda e aprendi a culpa.
Lembrar-me-ei que as pessoas
são as raízes dos lugares
e direi do remorso apenas
o estritamente necessário.
Não esquecerei que o meu corpo
é aí intruso e que são muitos os truques
com que se tornam opacos
os seres e as coisas.
Saberei que não sou de ser
raiz desses lugares."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 57

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

"Aware" de José Rui Teixeira (IV)

 "A roseira ergue-se sobre os destroços,
um pássaro aquieta-se.
Pressinto o poema no movimento
do teu corpo e arrefece
sob a mancha esverdeada
dessa ausência.

Falar-te-ia sobre os povos das ilhas,
suas deidades de terracota
e festas lunares.

Já não sei há quantos anos busco
nos ermos, nas entranhas dos pássaros
mais negros, no assombro dos cegos,
o silabário dos anjos."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 40

"Aware" de José Rui Teixeira (III)

 
"Não há regresso no gesto 
com que empurras as portadas
contra a manhã,
no modo como as mãos aracnídeas
tateiam no vidro o baço sujo brilho
das palavras mais pobres.

Há nas línguas mortas
uma certa decência,
um declive premeditado.

Desenhas no vidro embaçado as promessas
caídas no chão de não haver
percalço para a morte."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 29

"Aware" de José Rui Teixeira (II)

 
"Já não sacudo a morte dos cães
que farejam a minha solidão
nem lhes falo de deus.

Aceito que tenha sido por amor
que deus carregou sobre si
todas as metáforas do mundo.

Preferia ser eu a carregar as minhas,
mas há dias em que acordo sem mistério
e a pergunta é uma lâmina
que se antecipa
à vertigem da fuga."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 24

"Aware" de José Rui Teixeira (I)

"Não sei da vindima mais do que a alegria branca
das mulheres que descem ao rio e fermentam
nas mãos o fruto, a manhã.

No início do outono não temem ainda a morte.
De Calíope escutaram a explicação do luto,
histórias sobre a espessura da sombra, o voo
dos pássaros, as causas de certos suicídios.

A alegria branca das mulheres
é como o halo das uvas
nas mãos de Calíope."



José Rui Teixeira em "Aware"
Officium Lectionis, 2024
Página 18

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

"As Estações da Vida" de Agustina Bessa-Luís (IV)

 
"A azulejaria das estações dos caminhos-de-ferro portugueses merece uma observação mais profunda. Nem todos têm o nível que se deseja encontrar, mas revelam o que há de predominante na paisagem portuguesa, a água sobretudo. Os rios, com as lavadeiras e os barcos pesqueiros ou de recovagem, os esteiros, as lagoas, os caudais discretos onde as mulheres batem a roupa e os salgueiros se debruçam, falam de costumes rotineiros que fazem a alma portuguesa mais constante e como que adormecida."
(...)
A azulejaria portuguesa serve também como arquivo de certos pontos afectivos, como acontece com os padrões das vivendas particulares, umas vezes mostrando devoção aos santos protectores, outras vezes reflectindo o gosto pessoal do proprietário quanto a exprimir um culto particular."



Agustina Bessa-Luís em "As Estações da Vida"
Quetzal Editores, 2002
Páginas 38 e 40