"A escrita do ensaio não quer dizer o dito. É desenho de cintilações do impreciso, gravado a ponta seca no corpo deslavado do tempo (atravessa-se de novo no discurso, no curso do pensamento, a pirogravura da casa, o perímetro da memória que envolve Finisterra. Finisterra é um ensaio). Nasce da névoa da empiria para ganhar corpo vivo, feito de imagens ideativas, ideias vestidas de metáfora."
"A palavra do ensaio torna-se então como a da poesia: bloco solitário de onde salta o silêncio das ideias. Sem limites. O ensaio não tem limites: impõe-se limites. Brota de qualquer pedra e começa a explorar caminhos, a demarcar um terreno. Mais por veredas de floresta que não levam a lugar nenhum do que pela estrada real (é talvez por isso que «em geral, por sê-lo, os ensaístas não são modelo de coisa nenhuma», diz o saber de Eduardo Lourenço). A vida do ensaio nasce de uma névoa que se aclara."
"O ensaio é o menos imaculado dos géneros, a sua atitude é a menos hierática e hierárquica. Prefere as cores da paixão - anil, violeta, cinábrio, terra de Siena, por vezes chega perto da obra ao negro -, toca em instrumentos diversos - alaúde, violeta -, abomina tubas, trombetas, timbales, é música de câmara, recusa as grandes orquestrações romanescas e dramáticas, mas não deixa de se encenar, e revê-se nas variações tautológicas da fuga."
João Barrento em "O Género Intranquilo - anatomia do ensaio e do fragmento"
Assírio & Alvim, Setembro de 2010
Páginas 20, 21 e 24
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