"Desce um desses crepúsculos violáceos em que parece errar no espaço a enevoada música das casuarinas ...
Envolvem gradativamente a imensidade os veludos negros da Noite.
Num céu frio d'inverno, que umas mais frias estrelas esmaltam pouco a pouco, começa prodigiosamente a surgir a Lua, alta e misteriosa, lembrando baladas.
Dias d'Ouro, ricos e raros, resplandeceram já com o Sol na luxúria verde da folhagem.
E agora, o luar, que veste as noites de noivas, desdobra suntuosamente as suas tules delicadas e os seus luxuosos cetins brancos, imaculados.
Fecundam-se os grandes campos, quietos na nívea luz da Lua, no clarão que dela jorra, dormente e doce.
E os animais, que repousam na amplidão dos viçosos gramados, gozam tranquilos um sono brando, acariciador, como que produzido pela amorfinada claridade da Lua límpida e profunda.
As águas, as frescas águas das fontes e rios, as largas águas dos mares serenamente adormecem, num esplendor cristalino.
Apenas uma surdina leve que sai delas, como um leve ressonar, lhes denuncia, no silêncio claro da noite, a natureza sonora.
E enquanto a rumorosa paisagem, todos os frementes impulsos do dia calam-se, em redor, na noite, a lua e as estrelas amorosas acordam e brilham, num recolhimento de Santuário, todas de branco, como virgens para a primeira comunhão."
Cruz e Sousa (1861-1898), em "Missal"