"O ensino desta ciência hermética tem início ao mesmo tempo que a astronomia, a astrologia e o sânscrito. Para que se preserve o simbolismo, voluntariamente obscuro, da exposição escrita do sistema, cuja chave só pode ser dada por um Adepto, as verdadeiras lições de Kalachakra nunca foram tornadas públicas nem transcritas numa língua ocidental, mesmo sob forma criptográfica.
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Todo este assunto do sistema kalachakriano está intimamente ligado ao problema do Reino de Shambhala, a região mística donde esse sistema foi transmitido à Índia, na segunda metade do século X, e ao problema da origem do ciclo sexagesimal tibetano.
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Na literatura sagrada do Tibete, abundam as narrativas sobre a origem da Kalachakra. Todas as versões estão de acordo ao dizer que a doutrina, foi, em primeiro lugar, ensinada por Buda, depois da sua iluminação no grande stupa de Sri-Dhanyakataka, na província de Madrasta. Nessa época, Suchandra, rei de Shambhala, apareceu subitamente, escoltado por uma multidão de seres divinos.
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Somanatha, um brâmane de Caxemira, introduziu a Kalachakra no Tibete no ano de 1026. Atribuem-lhe igualmente a difusão do sistema cronológico sexagesimal de doze animais e cinco elementos.
O facto de os ciclos sino-tibetanos de doze anos se fundarem cientificamente na revolução do planeta Júpiter em redor do Sol, que dura onze anos e trezentos e treze dias, apresenta um interesse especial. É profundamente significativo que o calendário tibetano comece o ano exactamente quando a Kalachakra foi introduzida no país (1026), o que marcou o princípio da chamada era de Rabjyong. Assim, por exemplo, o ano de 1975 corresponde ao ano 949 da cronologia do Tibete, o que sublinha a extraordinária importância da Kalachakra na cultura tibetana.
O décimo livro dos Anais Azuis, escrito por Gos Lotsaba Gzonnu dpal, entre 1476 e 1478, é inteiramente consagrado à propagação da Kalachakra no Tibete. Enquanto a própria doutrina é muito pouco conhecida, devido ao seu carácter esotérico, os trabalhos históricos, como os Anais Azuis, dão um resumo da composição dos princípios da Kalachakra.
O livro primeiro expõe àqueles que aspiram a ser budistas os elevados objectivos a atingir:
«Eu saúdo o que deve ser intuitivo, transcendental, inconcebível, o que é fonte de alegria para os homens sábios, para responder no meio de uma assembleia resplandecente, serena, manifestada a alguns pela roda da Doutrina da Iluminação Suprema, compreendida pelos iogas dotados da mais elevada serenidade, difícil de perceber, árdua de procurar, omnipotente e sem causas.»
O décimo livro dos Anais Azuis dá as seguintes instruções do mestre da Kalachakra ao discípulo: «Agora, tens de adoptar a mesma atitude que eu e ter o espírito livre de qualquer pensamento.» O antigo texto menciona duas fases de meditação: clareza e firmeza. Fala de correspondência entre o Sol, a Lua, as estrelas e os centros nervosos do corpo humano ou chakras. Um outro parágrafo diz que «a sabedoria é concedida àquele que é capaz de controlar a sua respiração» e faz alusão à «casa de Kundala, animada pelo Calor Interno» ou ao Rundalini, à base da espinha dorsal.
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Não se devem identificar todos os actos mágicos com o sistema da Kalachakra, mas unicamente os fenómenos que sugerem a elevada espiritualidade do seu autor, ao usar uma força universal desconhecida do homem: o poder inteligente encerrado no centro do átomo, que os Adeptos só dominam através da sua unidade com a Mãe-Natureza. É esse o segredo da Kalachakra."
Andrew Tomas em "Shambhala - A misteriosa civilização tibetana"