"Como é que um escritor se torna um romancista sério?
Noventa e nove por cento de talento ... noventa e nove por cento de disciplina ... noventa e nove por cento de trabalho. Nunca nos podemos dar por satisfeitos com aquilo que fazemos. Nunca nada é tão bom como aquilo de que somos capazes. É preciso sonhar e apontar sempre para mais alto do que aquilo que sabemos poder fazer. Não nos devemos preocupar a tentar ser melhores do que os nossos contemporâneos ou os nossos antecessores. Temos de tentar ser melhores do que nós próprios. Um artista é uma criatura conduzida por demónios. Não sabe porque é escolhida por eles e em geral está demasiado ocupada para se preocupar com isso. É completamente amoral, no sentido em que assalta, pede emprestado, mendiga ou rouba, seja quem for, para conseguir fazer o seu trabalho.
Então qual será o melhor ambiente para um escritor?
A arte também não se preocupa com o ambiente circundante; não lhe interessa onde está. Se está a referir-se a mim, o melhor emprego que já me ofereceram foi o de gerente de um bordel. Na minha opinião é o ambiente perfeito para um artista poder trabalhar. Dá-lhe a liberdade económica ideal; liberta-o do medo e da fome; ele tem um tecto sobre a cabeça e nada para fazer excepto manter em dia uma contabilidade simples e ir uma vez por mês fazer o pagamento à polícia. O lugar é tranquilo durante a manhã, que é o melhor momento do dia para trabalhar. Há bastante vida social ao fim do dia, se ele quiser participar nela, o que lhe permite não se aborrecer; dá-lhe um certo estatuto social; ele não tem nada para fazer porque a madame trata da escrita da casa; todos os habitantes da casa são mulheres e tratam-no com deferência, chamando-lhe «senhor». Todos os contrabandistas do bairro lhe chamam «senhor». E ele pode tratar os polícias pelo nome próprio.
Portanto, o único ambiente de que o artista precisa é um ambiente com tanta paz, tanto isolamento e tanto prazer quanto o que lhe for possível encontrar a um preço não demasiado alto. Aquilo que um ambiente errado lhe provocará é um aumento da tensão arterial; fá-lo-á perder mais tempo com frustrações e irritações. Por experiência própria percebi que aquilo de que preciso para o meu ofício é papel, tabaco, comida e um pouco de uísque."
Conversa com Jean Stein (1956)
"Entrevistas da Paris Review" - Selecção e Tradução de Carlos Vaz Marques
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