segunda-feira, 23 de março de 2015

Eu era um poeta

"Eu era um poeta inspirado pela filosofia, não um filósofo com faculdades poéticas. Adorava admirar a beleza das coisas, descortinar no imperceptível e através do muito pequeno a alma poética do universo.
A poesia da Terra nunca está morta.
Há poesia em tudo - na terra e no mar, nos lagos e margens dos rios. Também a há na cidade - não o neguem - é evidente para mim aqui onde me sento: há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia na trepidação dos carros nas ruas, em cada movimento ínfimo, trivial, ridículo de um operário que, do outro lado da rua, pinta a tabuleta de um talho.
O meu sentido interno predomina de tal modo sobre os meus cinco sentidos que vejo as coisas desta vida - estou convencido disso - de modo diferente dos outros homens. Existe - existia - para mim um significado riquíssimo em algo tão ridículo como a chave de uma porta, um prego na parede, os bigodes de um gato. Há, para mim, toda uma plenitude de sugestão espiritual numa galinha com os seus pintos a atravessarem a estrada com ar pimpão. Há para mim um significado mais profundo do que os medos humanos no aroma do sândalo, nas latas velhas deitadas num monturo, numa caixa de fósforos caída na valeta, em dois papéis sujos que, num dia ventoso, rodopiam e se perseguem pela rua abaixo.
Pois a poesia é assombro, admiração, como de um ser caído dos céus que toma plena consciência da sua queda, espantado com o que vê. Como alguém que conhecesse a alma das coisas e se esforçasse por recordar esse conhecimento, lembrando-se que não era assim que as conhecia, não com estas formas e nestas condições, mas não se lembrando de mais nada."

Fernando Pessoa  em "Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal"

Retratos de um velho pincel de tinta










 
Visto aqui ! :)

sexta-feira, 20 de março de 2015

Da poética das montanhas

"Considero que os maiores objectos da Natureza são os mais agradáveis de se olhar e, depois, a ampla abóbada do céu e as ilimitadas regiões povoadas pelas estrelas; não há nada que eu contemple com tanto prazer quanto o vasto mar e as montanhas. Há qualquer coisa de augusto e de majestoso no seu aspecto, algo que inspira à mente grandes pensamentos e paixões. Nessas circunstâncias, o pensamento eleva-se naturalmente para Deus e para a Sua grandeza e para tudo o que tenha, nem que seja apenas, a sombra ou a aparência do INFINITO, como têm todas as coisas que excedem a compreensão, enchem e dominam com o seu excesso a mente, projectando-a numa espécie de agradável espanto e admiração."
 
Thomas Burnet  em "Telluris theoria sacra, IX, 1681

quarta-feira, 18 de março de 2015

terça-feira, 17 de março de 2015

" ... a natureza é uma floresta de símbolos. Cores e sons, imagens e coisas reportam-se uns aos outros, revelando-nos afinidades e consonâncias misteriosas.
O poeta torna-se o decifrador desta linguagem secreta do universo, ..."
 
Umberto Eco

Uma floresta de símbolos

"A natureza é um templo onde pilares vivos
deixam, por vezes, fugir confusas palavras;
o homem passa por lá através de florestas
de símbolos
que o observam com olhares familiares.
Como longos ecos, que ao longe
se confundem
numa tenebrosa e profunda unidade,
vasta como a noite e como a claridade,
os perfumes, as cores e os sons respondem
entre si.
Há perfumes frescos como carnes de bebés,
doces como os oboés e verdes como
os prados;
outros, ao invés, corruptos, ricos e triunfantes
que se expandem como as coisas infinitas,
como o âmbar, o musgo, o benjoim
e o incenso,
que cantam transportes da alma e do sentido."
 
Charles Baudelaire  em "As Flores do Mal"

domingo, 15 de março de 2015

"Canto de Mesa" de Henri Fantin-Latour, 1872
da esquerda para a direita: Verlaine, Rimbaud, Elzéar, Blémont, Valade, Alcard, D'Hervilly, Pelleta

Arte Poética

"Música acima de todas as coisas,
e, por isso, prefere o ímpar
mais vago e solúvel no ar,
sem nada nele que pousa e que repousa.
 
Porque queremos matizes puros,
não cores, só matizes.
Oh! Matiz, nossa única esperança,
o sonho no sonho e a trompa na flauta!
 
Música ainda e, depois, também!
Que o teu verso seja uma coisa roubada
que parece fugir de uma alma levantada
para outros céus e para outros amores.
Que seja o teu verso a bela aventura
que foi atirada ao vento leve da manhã
e que roça na hortelã e no tomilho ...
E tudo o resto é literatura."
 
"Arte Poética" de Paul Verlaine

sábado, 14 de março de 2015

"Leitora com coroa de flores", 1845,  de Jean-Baptiste Camille Corot

Melancolia

"A pessoa, cujo sentir tende para o melancólico, não é assim definida porque, sem as alegrias da vida, se consome numa escura melancolia, mas porque as suas sensações, quando se dilatam para além de certa medida ou entram numa direcção errada, aportam àquela tristeza da alma mais facilmente que a outras condições do espírito. O melancólico tem como dominante o sentimento do sublime. Até a beleza, a que ele é igualmente sensível, não tende apenas a fasciná-lo, mas também a emocioná-lo, inspirando-lhe admiração. A fruição do prazer é nele mais composta, mas, nem por isso, menos intensa; e toda a emoção suscitada pelo sublime tem para ele maior atracção do que todas as fascinantes encenações do Belo."
 
Immanuel Kant  em "Observações sobre o sentimento do Belo e do Sublime"