"Um louco, Van Gogh?
Quem algum dia soube olhar um rosto humano olhe o retrato de Van Gogh por ele próprio, estou a pensar naquele com chapéu de feltro.
Pintado por Van Gogh extralúcido, essa face de sanguinário ruivo que nos inspeciona e espia, que nos perscruta também com olhar torvo.
Não conheço um só psiquiatra capaz de perscrutar um rosto de homem com tão esmagadora força, e como que a trincho dissecar-lhe a irrefragável psicologia.
O olhar de Van Gogh é de um grande génio mas, pela forma como o vejo dissecar-me do fundo da tela onde surgiu, já não é o génio de um pintor o que sinto agora viver nele, mas de um certo filósofo que nunca, na vida, encontrei.
Não, Sócrates não tinha este olhar, antes dele só o infeliz Nietzsche talvez tivesse este olhar de nos despir a alma, libertar o corpo da alma, pôr a nu o corpo do homem fora dos subterfúgios do espírito.
O olhar de Van Gogh está pendurado, aparafusado, está envidraçado atrás das pálpebras curtas, das sobrancelhas magras e sem ruga nenhuma.
É um olhar que fura a direito, trespassa neste rosto feito a podão como uma árvore bem talhada.
Mas Van Gogh captou o instante em que a íris vai despejar-se no vazio, em que esse olhar, que sai contra nós como a bomba de um meteoro, ganha a cor átona do vazio e do inerte que o preenche."
Antonin Artaud em "Van Gogh, O Suicidado da Sociedade"
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