"Existem dezenas de milhares de famílias brasileiras que vivem em acampamentos à beira das estradas em vários pontos do país. São famílias de sem-terra que aos poucos vão-se juntando e formando verdadeiras cidades, às vezes com uma população de mais de 10 mil habitantes.
As condições de vida são as mais rudimentares; falta tudo: água, alimentação, instalações sanitárias, escola para as crianças, assistência médica, etc. Além disso, essas pessoas vivem em grande insegurança, sujeitas às provocações e violências por parte dos jagunços e outras forças de repressão organizadas pelos latifundiários, que temem a ocupação de suas propriedades improdutivas. A situação nessas "cidades" é de facto pior que a dos campos de refugiados na África, pois os sem-terra não contam com a protecção das autoridades, não recebem assistência institucional e nenhuma organização humanitária ou a Organização das Nações Unidas lhes presta socorro.
Seja como for, os deserdados da terra alimentam a esperança de melhores dias. E uma coisa é certa: não querem mais fugir para as cidades, que já não podem absorvê-los, dar-lhes trabalho e condições dignas de vida. Preferem, pois, resguardando-se das ameaças da delinquência e da prostituição dos grandes centros urbanos, permanecer nos acampamentos à margem das estradas e esperar pela oportunidade de ocupar a terra tão sonhada, mesmo correndo risco de vida. Seus projectos são idênticos: lavrar um pedaço de terra finalmente seu, construir uma casa para a família, assegurar o sustento desta e, por meio da cooperativa a ser criada, comercializar os excedentes de sua produção agrícola, garantindo a manutenção de escola para os filhos. É esse, em síntese, o sonho comum dos sem-terra."
"Terra" de Sebastião Salgado
"Terra" de Sebastião Salgado
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