domingo, 22 de outubro de 2017

"Isto filhos, a poesia e a cozinha são irmãs" (XVII)

 
Salada de quinoa com cogumelos e romã. Almôndegas de grão e coco em creme de rosas e rebentos de soja. Batata assada no forno. 💗😋😋💗

Paradigma

"Hoje, de manhã, lavei a cara
com quatro sabonetes diferentes.
Cada um cheirava a uma estação do ano
e cada um prometia uma sensação nova,
uma mudança radical na nossa pele.
 
À noite vi-me ao espelho:
a minha cara era a mesma de sempre."
 
Paulo Assim em "Celulose"

Al Berto, Diários, Assírio&Alvim

terça-feira, 17 de outubro de 2017

A Máscara

"Um homem com uma máscara de gás na cara.
O rosto disforme. Como se fosse um monstro.
Ele faz depois os gestos de um chimpanzé. Põe as
mãos curvadas e simula os pequenos saltos e
movimentos do chimpanzé.
O plano abre-se. Vemos para quem ele está
a fazer aquilo. É para uma mulher. Uma mulher
muito velha. Moribunda; ligada a várias máquinas
e com soro a entrar no braço. Mesmo assim,
a velha mulher sorri, primeiro; depois ri, ri muito,
não consegue parar de rir. Só a vemos a rir, como
se tivesse perdido o controlo."
 
Gonçalo M. Tavares  em "Short Movies"

sábado, 14 de outubro de 2017

Proema

"Às vezes, a poesia é a vertigem dos corpos e a
vertigem da sorte e a vertigem da morte;
o passeio, de olhos cerrados, à borda do
despenhadeiro
e a verbena nos jardins submarinos;
o riso que incendeia preceitos e santos
mandamentos;
a descida das palavras paraquedadas sobre os
areais da página;
o desespero que embarca num barco de papel e
atravessa,
durante quarenta noites e quarenta dias, o mar da
angústia nocturna e o pedregal da angústia diurna;
a idolatria do eu e a execração do eu e a
dissipação do eu;
o degolar dos epítetos, o enterro dos espelhos;
a compilação dos pronomes acabados de cortar no
jardim de Epicuro e no de Netzahualcoyotl;
o solo da flauta no terraço da memória e o baile
de chamas na cave do pensamento;
as migrações de miríades de verbos, asas e garras,
sementes e mãos;
os substantivos ósseos e cheios de raízes, plantados
nas ondulações da linguagem;
o amor do nunca visto e o amor do nunca ouvido
e o amor do nunca dito: o amor do amor.
 
Sílabas sementes"
Octavio Paz  em "Árvore Adentro"

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Três Sonhos

"Vi-me num sonho de folhas caindo,
De lagos escuros num bosque perdido,
De tristes palavras ecoando -
Mas não sabia entender-lhes o sentido.
 
Vi-me num sonho de estrelas caindo,
De preces chorosas num olhar ferido,
De um sorriso que vinha ecoando -
Mas não sabia entender-lhes o sentido.
 
Como estrela caindo, folha tombando,
Assim me via num vai-vem perdido,
Eternamente esse sonho ecoando -
Mas não sabia entender-lhe o sentido."

Georg Trakl  em "Outono Transfigurado"

domingo, 8 de outubro de 2017

Liberdade

"A minha estranha forma de ser livre!
Sei que o sou, por direito e vocação,
E sinto-me por vezes algemada
Apenas por ter alma e coração."
 
Soledade Summavielle  em "Movimento de Asas"

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

As maçãs

 
"Dantes as macieiras davam maçãs,
que eram guardadas em toalhas de linho.
E só haviam umas que eram melhores,
que eram as do quintal do vizinho!
 
Agora só há maçãs «golding» ou «starking»,
agora só há maçãs «normalizadas».
E eu não me admiro que, em vez de redondas,
um dia destes passem a ser quadradas!"

Jorge Sousa Braga  em "Herbário"

domingo, 1 de outubro de 2017

"Isto filhos, a poesia e a cozinha são irmãs" (XVI)

 
Cesto grego de estufado de feijoca e coentros a perfumar. Batata parisiense assada com ervas em cama de couve roxa. Caviar de beringelas, cogumelos e alho-francês. 💗😋😋💗