domingo, 8 de agosto de 2021

 
"Amo o mar
porque não tem fim

e os vagabundos que não têm pilim

Mas pelo meio das formas
e das aparências sem fundo
parecendo que amo o mundo
amo-me sobretudo a mim

Talvez venha a querer ao mar
ou vagamente a um vagabundo

talvez os ame no fundo

Mas no rodar infindo
daquilo que não tem fim
quero-me principalmente a mim

Ao resto das formas
e das aparências do mundo
amo só assim-assim"




"Um dia tudo isto será meu [uma antologia]" de João Habitualmente
Porto Editora
1ª edição, Setembro de 2019
Página 121

sábado, 7 de agosto de 2021

"Escolhido Pelas Estrelas" de Zbigniew Herbert

 
"Ele não é um anjo
é um poeta
não tem asas
tem apenas a mão
direita coberta de penas
agita o ar com ela
levita durante três segundos
e cai de seguida
quando está quase pousado
ganha de novo impulso com as pernas
paira por um instante
agitando a mão coberta de penas
oh se só ele pudesse vencer a atracção
da terra
poderia viver num ninho de estrelas
poderia saltar de raio em raio
poderia -
mas as estrelas
à simples ideia
de serem a sua terra
quase morrem de medo
o poeta cobre os olhos
com a mão coberta de penas
não sonha mais com voar
sonha com uma queda
aquela que como um relâmpago desenha
o perfil do infinito"



"Sombras Brancas - Setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas" de Jorge Sousa Braga
Língua Morta, Novembro de 2016
Páginas 118 e 119

Um Anjo Gótico" de António Gamoneda

 "Imóvel, claramente
não humano na
pura catedral
vive um anjo.
Um anjo não tem olhos.
Um anjo não tem sangue.
Não vive na vida, não vive
na morte, ele está
vivo na beleza."



"Sombras Brancas - Setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas" de Jorge Sousa Braga
Língua Morta, Novembro de 2016
Página 65

"O Anjo Perplexo" de Amalia Bautista

 
"Nunca houve deus, nem virgens, nem santos,
nem ícone que proteja, nem oração que console;
nunca houve milagres ou prodígios,
nem salvação da alma ou vida eterna;
nem palavras mágicas, nem bálsamo eficaz
contra a dor que nunca cicatriza;
nem luz do outro lado das sombras
nem saída do túnel, nem esperança.
Só nos acompanha nesta travessia
um anjo perplexo que suporta
como nós a mesma penosa vida."



"Sombras Brancas - Setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas" de Jorge Sousa Braga
Língua Morta, Novembro de 2016
Página 56

"A Escuridão Do Anjo" de Joan Margarit

 
"Uma noite sem lua numa praia
entre os barcos tão jovens
o sereno fulgor do teu desejo
decidiu a nossa vida
Ele estava na sombra na areia
no rumor tão próximo das ondas
O meu medo e a tua confiança pressentiram
a presença tão próxima do futuro:
esse anjo que sempre nos protege
na mais profunda escuridão
Esta noite ele está também aqui
enquanto tu dormes a meu lado
É a mesma treva: a do anjo"




"Sombras Brancas - Setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas" de Jorge Sousa Braga
Língua Morta, Novembro de 2016
Página 48

"Anjos Ao Amanhecer" de Emily Dickinson

 
"Anjos ao amanhecer
brincando ao relento
Inclinam-se colhem sorriem voam
de rebento em rebento

Anjos quando o sol mais queima
brincando na areia os pés doridos
Inclinam-se colhem carregam voam
os rebentos já ressequidos"



"Sombras Brancas - Setenta e sete poemas sobre anjos caídos de outras línguas" de Jorge Sousa Braga
Língua Morta, Novembro de 2016
Página 21

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

"Note-se que não estou a dizer que não existem diferenças entre o cérebro feminino e o masculino; pelo contrário, a minha equipa documentou muitas dessas diferenças, tal como outros cientistas. O que estou a argumentar é que tais diferenças se misturam em cada cérebro para criar um mosaico único de características, algumas das quais são mais comuns nas mulheres e outras mais comuns nos homens. Essa ideia anda de mãos dadas com aquilo que muitas pessoas já sabem, estou certa disso: que somos uma manta de retalhos de traços «femininos» e «masculinos». Contudo vai mais longe: sugere que um cérebro «masculino» ou «feminino» - ou uma natureza «masculina» ou «feminina» - é algo que não existe.
(...)
... «os homens e as mulheres não exibem todos os atributos, interesses, atitudes, papéis e comportamentos esperados do seu sexo de acordo com os estereótipos descritivos e prescritivos da sua sociedade, mas apenas alguns deles. Também poderão exibir algumas das características e comportamentos associados ao outro sexo.
A observação recorrente de que os seres humanos são mosaicos de características femininas e masculinas estereotipadas torna o conceito de natureza feminina e masculina tão desprovido de sentido quanto o de cérebro feminino e masculino."
(...)
" ... muitas vezes homens e mulheres agem de maneira diferente no mesmo contexto, não porque divergem biológica ou psicologicamente, mas apenas por pertencerem a um género ou a outro. As nossas próprias expectativas enquanto mulheres ou homens, bem como as expectativas dos outros, «generificam» o nosso comportamento, mesmo quando não estamos conscientes dessas expectativas."




"Cérebro e Género" de Daphna Joel e Luba Vikhanski
Temas e Debates
1ª edição, Março de 2020
Páginas 14, 99, 102 e 103