"Quando acordei estava numa floresta. Parecia natural o escuro, o céu através dos pinheiros
carregado de luzes.
Eu não sabia nada: nada podia fazer, só ver.
E, enquanto via, todas as luzes do firmamento
se desvaneceram numa única coisa, um fogo
ardendo por entre os abetos frios.
Foi impossível depois
olhar o firmamento e não ser destruída.
Haverá almas que precisam
da presença da morte, como eu de protecção?
Penso que, se continuar a falar,
conseguirei responder a essa pergunta. Verei
tudo que eles vêem: uma escada
subindo por entre os abetos, algo
que os convide a trocar de vida -
Vede o que entendo já.
Acordei ignorante, numa floresta:
há instantes não sabia sequer a minha voz.
Se alguma voz me fosse dada,
ela seria feita de dor, frases
como gritos amarrados entre si.
Não sabia sequer o que era a tristeza
até a palavra surgir, até sentir
a chuva brotando de mim."
Louise Glück em "A Íris Selvagem"
Relógio D´Água Editores, Dezembro de 2020
Página 17