domingo, 16 de fevereiro de 2025
"O Género Intranquilo - anatomia do ensaio e do fragmento" (I)
"A escrita do ensaio não quer dizer o dito. É desenho de cintilações do impreciso, gravado a ponta seca no corpo deslavado do tempo (atravessa-se de novo no discurso, no curso do pensamento, a pirogravura da casa, o perímetro da memória que envolve Finisterra. Finisterra é um ensaio). Nasce da névoa da empiria para ganhar corpo vivo, feito de imagens ideativas, ideias vestidas de metáfora."
"A palavra do ensaio torna-se então como a da poesia: bloco solitário de onde salta o silêncio das ideias. Sem limites. O ensaio não tem limites: impõe-se limites. Brota de qualquer pedra e começa a explorar caminhos, a demarcar um terreno. Mais por veredas de floresta que não levam a lugar nenhum do que pela estrada real (é talvez por isso que «em geral, por sê-lo, os ensaístas não são modelo de coisa nenhuma», diz o saber de Eduardo Lourenço). A vida do ensaio nasce de uma névoa que se aclara."
"O ensaio é o menos imaculado dos géneros, a sua atitude é a menos hierática e hierárquica. Prefere as cores da paixão - anil, violeta, cinábrio, terra de Siena, por vezes chega perto da obra ao negro -, toca em instrumentos diversos - alaúde, violeta -, abomina tubas, trombetas, timbales, é música de câmara, recusa as grandes orquestrações romanescas e dramáticas, mas não deixa de se encenar, e revê-se nas variações tautológicas da fuga."
João Barrento em "O Género Intranquilo - anatomia do ensaio e do fragmento"
Assírio & Alvim, Setembro de 2010
Páginas 20, 21 e 24
domingo, 19 de janeiro de 2025
Li "O Vale da Paixão" de Lídia Jorge e ...
Representando a problemática da reconstituição do passado, nesta extensa metáfora narrativa, percorri muitos caminhos conducentes à secundarização da figura de Walter Dias, o desenhador de pássaros, e priorização da filha-sobrinha.
De temperamento observador, analítico, imaginativo, com tendência para a retrospecção, sabemos ser a menina de Valmares leitora da Ilíada (" ... tem o início d' A Ilíada dentro das pálpebras, tem uma infinidade de mortos aqueus e troianos estendidos na sua língua, tem o fim daquele livro na cabeça ... Cap.55 - Pág. 143) e, atentando no que diz Maria Ema, de outros "textos antigos solenes" (Cap.64 - Pág. 166).
A familiaridade com estes textos faz com que encontremos no seu discurso narrativo, ecos de alguns aspectos míticos, mitológicos, poéticos da Ilíada.
Esse discurso constitui-se de fragmentos de memórias difusos, obscuros, ambíguos, com permanentes avanços e recuos, que fazem desta narrativa um texto belíssimo, denso, complexo, no qual, embora reconheça a existência de alguma matéria de facto, por vezes, muitas vezes, não apreendemos o que aconteceu, o que possivelmente poderá ter acontecido e o que definitivamente não aconteceu.
Afinal, a menina de Valmares "sempre havia transformado o que escutava" (Cap.6 - Pág.19).
Inquestionável, é, o facto de que a narradora escreve uma história para Walter.
"Então, para que Walter saiba"
Imagina, reimagina, compõe, recompõe, supõe, de forma que, ficcionando a vida do pai biológico, ficciona também a sua. Talvez desejando para si uma narrativa diferente do que poderá ter realmente vivenciado.
quarta-feira, 1 de janeiro de 2025
O que mais gostei de ler em 2024
- "A Selva" de Ferreira de Castro
- "Atos Humanos" de Han Kang
- "Coração de Trevas" de Joseph Conrad
- "Os Meninos de Ouro" de Agustina Bessa-Luís
- "Os Reinegros" de Alves Redol
NÃO FICÇÃO
- "Património Alimentar de Portugal" de Maria Manuel Valagão
POESIA E OUTROS GÉNEROS
- "99 poemas" de Ryõkan
- "A Sombra do Mar" de Armando Silva Carvalho
- "Antologia Dialogante de Poesia Portuguesa" de Rosa Maria Martelo
- "Aware" de José Rui Teixeira
- "Geórgicas" de Vergílio
- "Museu da Angústia Natural" de Luís Filipe Parrado
- "Turquesa" de Daniel Maia-Pinto Rodrigues
BANDA DESENHADA
- "O Diário Do Meu Pai" de Jiro Taniguchi
- "Rugas" de Paco Roca
- "Vale dos Vencidos" de José Smith Vargas
FOTOGRAFIA E ARTES
- "Alberto Carneiro - Natureza Dentro" de Duarte Belo
- "De Natura" de Cristina Ataíde
- "Ph.03 - Helena Almeida" com textos de Delfim Sardo
Arte & Cultura: o que mais gostei em 2024
- "Cruz-Filipe. Modo de ver" @ Fundação Calouste Gulbenkian
- "Japão: Festas e Rituais" @ Museu do Oriente
- "Mar Aberto" de Nicolas Floc'h @ MAAT
- "Não vá o diabo tecê-las! A Tapeçaria em diálogo a partir da Coleção Millennium BCP" @ Torreão Nascente da Cordoaria Nacional
- "Netsuke" de Albano Silva Pereira @ Pavilhão Branco
- "Os dias estão numerados" de Daniel Blaufuks @ MAAT
Dos Dias: o que mais gostei em 2024
- As Nossas Vozes - Participar na Democracia, Cuidar de Abril @ Auditório da BMO
- Até que a morte nos separe @ Cemitério dos Prazeres
- Conchoso @ Barco Varino Liberdade
- Desenho no Jardim com Sara Simões @ Casa da Cerca
- Maresia - ensemble inclusivo Notas de Contacto @ Fundação Calouste Gulbenkian
- Viagem ao Japão Através dos Livros @ Museu do Oriente
- XV Jornadas Llansolianas - Llansol: Os Rostos da Paisagem @ Espaço Llansol
Filmes & Docs: o que mais gostei em 2024
- "Morangos Silvestres" de Ingmar Bergman @ TvCine Edition
- "No Interior do Casulo Amarelo" de Thien An Pham @ Cinema Medeia Nimas
- "O Mal Não Está Aqui" de Ryûsuke Hamaguchi @ TvCine Edition
- "O Som do Nevoeiro" de Hiroshi Shimizu @ TvCine Edition
- "Para Sempre Mulher" de Kinuyo Tanaka @ Cinema Medeia Nimas
- "Sonata de Outono" de Ingmar Bergman @ TvCine Edition
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