"Este nosso mundo não é avaro de emoções. Podemos queixar-nos de tudo, mas não de monotonia. São as guerras, de grande e pequeno formato, são as transplantações e os enfartes cardíacos, são os hippies e o poder da flor (e o poder negro, também), são os movimentos da crosta terrestre e os terramotos sociais, são as campanhas presidenciais e os assassínios dos presidentes ou candidatos, são as drogas e as modas, e os cabelos compridos, e as saias bem-aventuradamente curtas e outra vez longas, e as excursões turísticas, e os atrasos dos comboios, e os computadores que pontualmente preparam a descoberta de qualquer coisa para qualquer dia, e (porque a lista não acabaria) cada um de nós neste mundo a querer saber o que cá faz, ou pelo contrário, nada interessado em sabê-lo. Tudo isto, de uma maneira ou de outra, nos ocupa. E assim vamos passando o tempo, vagamente inquietos, vagamente perplexos, como actores que de repente se esqueceram do papel e olham desorientados, à espera da deixa que lhes permita tornar a engrenar no texto. É o caso: falta-nos a deixa."
José Saramago em "Deste Mundo e do Outro"
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