"Caminhante solitário, não distingo entre os ímpetos e as pressões do meu interior e o concerto de elementos em crescimento fora de mim que com mil vozes me rodeiam.
(...)
O vento alegre e ligeiro afaga-me o rosto, do mesmo modo que faz balançar as anémonas, e ao soprar sobre mim um tropel de recordações como um turbilhão de poeira, ressoa a lembrança da dor e da efemeridade directamente do sangue para a consciência. Pedra com que me deparo no meu caminho, és mais forte do que eu! Árvore no meio do campo, sobreviver-me-ás, e talvez também tu, pequeno ramo de framboesas, e tu também, anémona de laivos róseos.
Na duração de um sopro da respiração sinto, mais profundamente do que alguma vez o sentira, a fugacidade da minha forma e sinto-me atraído para a metamorfose, para as pedras, para a terra, para o ramo da framboesa, para a raiz da árvore. A minha sede agarra-se aos sinais do tempo que passa, à terra e à água e às folhas mortas. Amanhã, depois de amanhã, em breve, não tardarei a ser como tu, serei folha seca, serei terra, raiz, deixarei de escrever palavras no papel, deixarei de poder cheirar os magníficos goiveiros, (...), nado qual nuvem no azul imenso, fluo qual vaga no ribeiro, broto qual folha no arbusto, caio no esquecimento, mergulho numa transformação mil vezes ansiada."
Hermann Hesse em "Passeio de Primavera"