"Julga-se dizer algum bem de uma filosofia, quando se a apresenta como um substituto da religião para o povo. De facto, na economia espiritual fazia falta, de quando em quando, uma digressão intelectual transmudante; assim, a passagem da religião para a reflexão científica é um salto violento, perigoso, algo que é de desaconselhar. Até aí, tem-se razão com essa recomendação. Mas, finalmente, devia-se também aprender, contudo, que as carências que a religião satisfez e a filosofia, agora, deve satisfazer, não são imutáveis; pode-se enfraquecer e extirpar essas mesmas necessidades. Basta pensar, por exemplo, no padecimento moral cristão, no suspirar perante a íntima corrupção, a preocupação com a salvação - tudo noções que procedem apenas de erros da razão e não merecem satisfação nenhuma, mas sim aniquilação. Uma filosofia tanto pode ser útil, porque também satisfaz essas carências ou porque elimina as mesmas, pois estas são necessidades aprendidas, limitadas no tempo, que assentam em pressupostos que contrariam os da ciência. Neste caso, para efectuar uma transição, é muito preferível utilizar a arte, a fim de aliviar o ânimo sobrecarregado de emoções, pois, através dela, esses pressupostos são muito menos alimentados do que por intermédio de uma filosofia metafísica. A partir da arte, pode-se, depois, passar mais facilmente para uma ciência filosófica realmente libertadora."
Nietzsche em "Humano, Demasiado Humano"
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