quarta-feira, 1 de maio de 2019

"seria outra coisa, a terra de ninguém entre mim e o mundo. entre um e o outro, entre aquilo que era e o que poderia ter sido, abria-se um vazio que tinha o tamanho das coisas conhecidas. terras, bichos, nomes ou gente. cada um deles, sobrepostos e confundidos, revia-se no outro como o reflexo invertido da sua própria imagem. a simples constatação da existência das coisas assumia a inevitabilidade de um facto consumado. devolvida a si mesma, cada coisa tomava para si o espaço que talvez fosse próprio da outra, ou, se não próprio, adequado, reversível, passível de ser substituído qualquer que fosse o nome que eu lhe atribuísse. somado a isso, aquilo que pudesse vir a acontecer parecia de tal modo destituído de espessura que só por um momento de retroacção do efeito sobre a causa me poderia atingir."
 
H.G. Cancela  em "De Re Rustica"

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