domingo, 9 de fevereiro de 2020

"Schelling, entre outros, atribui à existência humana uma tristeza fundamental, inescapável. Mais particularmente, esta tristeza oferece o fundamento sombrio sobre o qual assentam a consciência e a cognição. Este fundamento sombrio deve, na verdade, ser a base de toda a percepção, de todo o processo mental. O pensamento é rigorosamente inseparável de uma «melancolia profunda e indestrutível». A cosmologia actual oferece uma analogia à crença de Schelling. Aquela do «ruído de fundo», dos comprimentos de onda cósmica, esquivos mas inescapáveis, que são os vestígios do Big Bang, do surgimento do ser. Em todo o pensamento, de acordo com Schelling, esta radiação primitiva, esta «matéria negra», é uma tristeza, um pesar (Schwermut), que também é criador. A existência humana, a vida do intelecto, significa uma experiência desta melancolia e a capacidade vital de a superar. Nós somos, por assim dizer, criados «entristecidos». Nesta noção existe, quase indubitavelmente, o «ruído de fundo» do universo Bíblico, das relações causais entre a aquisição ilícita do conhecimento, da discriminação analítica e do banimento da espécie humana do estado de felicidade inocente. Um véu de tristeza (tristitia) cobre a passagem, por muito positiva que ela possa ser, do homo para o homo sapiens. O pensamento carrega em si um legado de culpa."



"Dez Razões (Possíveis) para a Tristeza do Pensamento" de George Steiner
Relógio D' Agua Editores, Novembro de 2015
Página 11

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