naquela praça em frente da igreja,
nesse calor de quando o mundo oscila
na linha de horizonte,
e o rio quase defronte:
uma miragem
Estão lado a lado,
sujos de pó, as cabeças tombadas para a frente,
unidos pelo jugo desigual, a carroça apoiada no muro
mas pronta a ser unida aos corpos deles
Estarão feitos assim: velhos amigos,
os corpos encostados mesmo neste calor,
pela aliança muda?
Arreios, cabeçadas, todos os instrumentos
do que parece ser mansa tortura
mais o freio, ou bridão,
parecido com aquele colocado na boca das mulheres
que desobedeciam,
e era isso há muito tempo,
pelo menos quatro séculos,
ou semelhante ao que se usava
nos escravos, cobrindo-lhes a boca
para que não se envenenassem,
porque se recusavam a viver
escravos
e era isso quase agora, no século passado
Mas eles não criam caos nem desacato,
não se revoltam nem tentam o veneno
se o freio agudo lhes fere, pungente,
gengiva, língua, osso
Só se encostam quietos, um ao outro,
cabeças derrubadas para a frente,
à espera do chicote
que chegará depois com a carroça, pronta
para a entrega das coisas
humanas, o comércio
E é esta a mais perfeita
das colonizações"
"Mundo" de Ana Luísa Amaral
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2021
Páginas 38 e 39
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