segunda-feira, 18 de abril de 2022

"A Margem De Um Livro" de Rui Nunes

 
"Esta voz incerta como uma ruína.
(Mas as ruínas petrificam o incerto. Tornam-no exacto.)
Descobre-se o canto:
Orfeu, no abismo de cada passo."



"O gesto escondido na minha mão desde que nasci, o objecto 
exacto que foi ganhando toda a exactidão no seu esconderijo.
O frio do metal na têmpora: o silêncio chegará mais rápido do
que o som
:
a morte é um olhar
que não te pertence."



"Cada palavra
tacteia
tutela
o início
:
O mensageiro chega ofegante, com a boca cheia de destroços.
Não os da mensagem, mas os da sua decifração
:
A inutilidade: eis o motor da escrita."



"Encontrar a palavra que uma palavra esconde, uma palavra
tornada frágil por outra palavra. Escrever: um percurso de fragilização.
:
Algumas palavras agarram-se à máscara da harmonia ou da 
verdade: frágil, por exemplo. Fraco tem a iminência de uma
queda, de uma doença, é um tabique a descascar, caliça a
desprender-se, madeiras podres; fraco tem na sua proximidade
uma qualquer morte, uma qualquer ruína. Mas frágil, ah
frágil, entra-lhe a beleza por todas as letras. Poros (esporos)."




"A Margem De Um Livro" de Rui Nunes
Officium Lectionis, 2021
Páginas 09, 13, 19 e 21

sexta-feira, 1 de abril de 2022

"A Palavra Imediata - Livro de Horas IV" de Maria Gabriela Llansol

 " __________ a primeira imagem do Diário não é, para mim, o repouso na vida quotidiana, mas uma constelação de imagens, caminhando todas as constelações umas sobre as outras. Qualquer aprendiz imagético, quando sobe ao meu quarto e atravessa o meu escritório, tem o sentimento de que «um belo lixo de imagens se criou aqui». Se for menos inocente dirá: «que belo luxo de imagens». Eu diria: aqui está a raiz de qualquer livro."


"Observar é o primeiro modo de escrever; o primeiro entre outros igualmente principais."


"nuvens luminosas que atravessam a água e a areia ___________
«implantarei rios no meio da solidão»


"Cada estação é um rumor simbólico do tempo."


"O tempo deixou de ser linear, é uma estrela."


" ... o texto habita em qualquer morada."


" ... se escrevo é para exprimir quanto um livro é secundário no espaço dos interesses pouco fundos do comércio da literatura. Refiro-me ao comércio dos escritores, e dos que os acompanham constantemente para os empobrecer da consciência da escrita. Há uma desordem de valores, e uma perda de perspectiva; um verdadeiro texto principia por ser um interesse particular que repete um acto universal. Infelizmente, na literatura portuguesa contemporânea quase não há interesses particulares. Limpa dos ramos da adulação, e das perspectivas monetárias e que dão prestígio, tornou-se um tronco seco e nu; de quem escreve para quem lê, sustentado por mil nadas que enganam - o que falta é precisamente o texto."




"A Palavra Imediata - Livro de Horas IV" de Maria Gabriela Llansol
Assírio & Alvim
1ª edição, Setembro de 2014
Páginas 10, 13, 14, 152, 158, 162 e 220