segunda-feira, 18 de abril de 2022

"A Margem De Um Livro" de Rui Nunes

 
"Esta voz incerta como uma ruína.
(Mas as ruínas petrificam o incerto. Tornam-no exacto.)
Descobre-se o canto:
Orfeu, no abismo de cada passo."



"O gesto escondido na minha mão desde que nasci, o objecto 
exacto que foi ganhando toda a exactidão no seu esconderijo.
O frio do metal na têmpora: o silêncio chegará mais rápido do
que o som
:
a morte é um olhar
que não te pertence."



"Cada palavra
tacteia
tutela
o início
:
O mensageiro chega ofegante, com a boca cheia de destroços.
Não os da mensagem, mas os da sua decifração
:
A inutilidade: eis o motor da escrita."



"Encontrar a palavra que uma palavra esconde, uma palavra
tornada frágil por outra palavra. Escrever: um percurso de fragilização.
:
Algumas palavras agarram-se à máscara da harmonia ou da 
verdade: frágil, por exemplo. Fraco tem a iminência de uma
queda, de uma doença, é um tabique a descascar, caliça a
desprender-se, madeiras podres; fraco tem na sua proximidade
uma qualquer morte, uma qualquer ruína. Mas frágil, ah
frágil, entra-lhe a beleza por todas as letras. Poros (esporos)."




"A Margem De Um Livro" de Rui Nunes
Officium Lectionis, 2021
Páginas 09, 13, 19 e 21

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