"certa tarde, Jorge tentou fugir do bairro do amor.
poetas, bêbados, pessoas tristes e bucólicas, portadores
de solidão ao pescoço, apaixonados irresolutos, moradores da
parte de trás da vida, seres rastejantes por dentro, portadores
de olhares sem brilho, frustrados, mas também sonhadores,
cuspidores de fogo, colecionadores de selos usados e nuvens por usar,
adultos-crianças, crianças com colchões voadores, fumadores crónicos,
apreciadores de bagaço, adiadores de amor, lésbicas suicidas, e velhos
de olhar treinado em rever passados, todos o impediram de
caminhar para o lado errado da noite.
a multidão tranquilizou o homem-poeta.
Jorge palma tirou a mão do queixo, olhou para a multidão
confessando uma bebedeira à moda antiga. o piano que
lhe desculpasse os dedos.
foi um momento ardente, propício à poesia, à música. ele
inventava passos novos, suava os dedos, golpeava a lógica.
ele regressava - sem nunca ter saído da terra dos sonhos.
cambaleava os pés em trejeitos de cuidado, usando os
olhos de catarina pra iluminar um atalho musical."
Ondjaki em "Materiais para Confecção de um Espanador de Tristezas"