"Pela tarde sentávamo-nos os dois na sombra fresca das parras a olhar à nossa volta; não havia muito a dizer, a não ser suscitar as memórias dela cada vez mais difíceis de verbalizar. Recordava, então, de como em rapariga, acompanhada de outras meninas, subia a montanha até à pedra da cruz e ali recolhia rosmaninho e zimbro que trazia para casa, secando-o e colocando-o na água de lavar as roupas para as tornar puras - seria um ritual de purificação perdido nos tempos. Dizia-me que as plantas eram batidas por um vento santo e que de noite se humedeciam num orvalho de água benta que escorria da base do cruzeiro e estiolava ao nascer da manhã quando o sol as doirava com a sua luz. Ar, água, terra e fogo, pensava eu, todos os elementos se conjugavam de uma forma sagrada.
António Tavares em "Todos os Dias Morrem Deuses"
António Tavares em "Todos os Dias Morrem Deuses"
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