sábado, 16 de setembro de 2017

"Não me restou outro remédio senão inventar a minha própria teoria. Teoria filosófica e absurda, que menciono aqui por simples curiosidade. Dei comigo a pensar que, de acordo com Empédocles, os quatro elementos primordiais da Natureza são o ar, a água, a terra e o fogo. Todos eles estão vinculados à origem da vida e à sobrevivência da nossa espécie. Com a ar estamos em contacto permanente, visto que o respiramos, o expelimos, o climatizamos. Com a água também, dado que a bebemos, nos lavamos com ela e fruímos do prazer de nadar ou de andar de barco. Com a terra igualmente, pois caminhamos sobre ela, cultivamo-la, modelamo-la com as nossas mãos. Mas com o fogo não podemos ter uma relação direta. O fogo é o único dos quatro elementos de Empédocles que nos arreda, pois a sua proximidade ou contacto faz-nos mal. A única maneira de nos relacionarmos com ele é através de um mediador. E esse mediador é o cigarro. O cigarro permite-nos comunicar com o fogo sem sermos consumidos por ele. O fogo está num extremo do cigarro e nós no oposto. O cigarro a arder é a prova de que esse contacto é estreito, embora seja a nossa boca que expele o fumo. Graças a essa invenção satisfazemos a nossa necessidade ancestral de nos religarmos aos quatro elementos naturais da vida. Tal relação era sacralizada pelos povos primitivos através de diversos cultos religiosos - terrestres ou aquáticos - e, no que respeita ao fogo, através de cultos solares. Adorou-se o Sol porque encarnava o fogo e os seus atributos, a luz e o calor. Secularistas e descrentes que somos, já não podemos render homenagem ao fogo a não ser por meio do cigarro. O cigarro seria assim um sucedâneo da antiga divindade solar, e fumar uma forma de perpetuar o seu culto. Uma religião, em suma, por mais banal que possa parecer. Daí que renunciar ao cigarro seja um acto grave e lancinante, como uma abjuração."

Julio Ramon Ribeyro  em "A Palavra do Mudo"

Sem comentários:

Enviar um comentário