"E no fim do Verão comecei a afastar-me um pouco. Saía de casa de madrugada, antes que os outros se levantassem, vestia uma camisola velha sobre o fato de banho e ia para as rochas apanhar conchas e pedras. Havia umas muito bonitas, mas o importante era que eu aprendera a senti-las, segurava-as na mão durante algum tempo até ficarmos ligadas.
Uma manhã encontrei uma pedra polida pelas águas, misteriosa, que trouxe para casa. Tinha muitas cores, azul, verde, vermelho; na sua superfície estendiam-se prados com flores campestres, talvez papoilas, e pedaços de céu. Pensei que Tom saberia o seu nome.
Claro que Tom saberia o seu nome. Conservá-la-ia na mão durante uma eternidade, sentindo-a, escutando-a ... tornando-a dele.
E ouvi-me dizer baixinho, quase sem querer:
- Meu amor.
(...)
Ele gostou da pedra (disse-me que se chamava unakite), colocou-a no velho armário do estúdio, entre os livros e as maçãs esverdeadas. Também tinha algumas para mim, águas marinhas de um azul muito suave, pedras da lua quase brancas."
Ana Teresa Pereira em "O Rosto de Deus"
Ana Teresa Pereira em "O Rosto de Deus"
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