" Sara Antónia Matos: A propósito de proximidade, de amizade, o que é para si a intimidade? Rui Chafes: É um espaço impartilhável. De qualquer modo, para além do espaço íntimo individual, há o espaço íntimo entre algumas pessoas. Sobre isso, penso sempre que o que se passa entre duas pessoas só a elas diz respeito; tudo o resto são opiniões, nada mais do que opiniões, e as opiniões não têm importância.
É preciso dizer que as pessoas com quem partilho valores, empatias, princípios, modos de estar e preocupações também preservam a sua intimidade. E, portanto, não só não invadem o meu espaço privado, emocional e de trabalho, como são solidárias com ele. Digamos que, sem precisar de se falar nisso, reconhecem esse impartilhável como sendo fundamental manter, por questões de dignidade, moral, ética. Além de amigas, são todas elas pessoas raras, de um mundo antigo e longínquo."
"Sara Antónia Matos: O Tolentino de Mendonça expressa essa ideia de forma muito bela: «Na verdadeira amizade estamos uns com os outros e somos uns para os outros, mantendo porém uma exterioridade: os amigos não se diluem, não se justapõem, não se substituem. [...] [A amizade] é uma forma de exposição ao outro, mas uma exposição que não quebra a reserva, que não invade a solidão.»
Rui Chafes: Considero a invasão do meu espaço insuportável e, portanto, aquilo que eu partilho com quem escolho (e que me escolhe) é tudo o resto, é esse tal mundo silencioso onde as formas se encontram, se confrontam umas às outras e fazem emergir inquietações."
"Sara Antónia Matos: A propósito de intimidade, disse que há um reduto último que não se partilha. Nem com quem se ama?
Rui Chafes: Khalil Gibran dizia: «a pessoa casa-se, partilha tudo mas não partilha o prato». É a tal barreira de que falámos anteriormente. Há limites que não podem ser ultrapassados, para que as relações entre as pessoas se mantenham, mesmo as mais próximas. A distância que assegura a intimidade tem de ser incondicionalmente preservada. Cada pessoa tem de ter o seu espaço, há sempre uma parte íntima, sua e secreta, que deve ser absolutamente protegida mesmo que partilhes a vida com alguém. Claro que deves também respeitar a parte privada da outra pessoa, não a invadindo ou devassando, mantendo uma certa distância. Quando se quebram todas as barreiras é o fim. As pessoas deviam ter isso sempre presente."
"Sara Antónia Matos: Quebrar todas as barreiras é obsceno?
Rui Chafes: Obsceno, sim. Como disse, manter as barreiras de um espaço intactas, não romper, não forçar a entrada, é de uma sabedoria imensa. Não mexer nos papéis pessoais do outro, não querer saber tudo, não exigir o significado de tudo ... Nem tudo tem de ter uma resposta e nem todas as perguntas têm de ser feitas - perguntar tudo também é obsceno. Há perguntas que não se fazem mas, para o saber, é preciso ser-se muito sábio. Isto é sabedoria e, ao mesmo tempo, a maior prova de confiança. Sabedoria e confiança andam juntas, uma leva à outra."
Rui Chafes em "Sob a Pele - conversas com Sara Antónia Matos"
Sistema Solar
1ª edição, Dezembro de 2015
Páginas 68, 69, 81 e 82