"Quanta alegria, ao domingo, ao acordar
com a luz que era uma irmã mais velha
e os teus braços, a cruz do meu desejo.
Foram manhãs que não deixaram nunca
de entrar pela janela. Barcelona,
quando era pobre, humilde, acolhedora
como são as cidades que estiveram sozinhas,
sorria através dos vidros.
Ficávamos na cama até tarde
e íamos comer àquele restaurante
do pinhal, ao pé do Tibidabo.
Então ainda não precisávamos
de dar um nome ao que fazíamos.
Quando dormíamos juntos, amor, sexo e dor
eram apenas uma coisa: o que éramos.
O tempo uiva, mas em silêncio,
como um lobo com cancro na garganta.
Nada me pertence. De súbito,
nesta cidade desconhecida,
posso defender apenas o quarto onde agora,
misteriosamente feliz, escuto o som
do saxofone paciente de Ben Webster.
Embrulhada num jornal velho,
ainda guardo a rosa de há tantos anos:
aquela Barcelona mais difícil
onde procurava o seu lugar a minha vida."
Joan Margarit em "Misteriosamente Feliç" (2008)