sexta-feira, 30 de agosto de 2019

"Não temo a transparência mas sim a sua contínua destruição. Mallarmé disse que o poeta vem transformar o caos em cosmos. Há um desorganizado, um balbuciante, uma confusão latente que nunca são completamente clarificados e ninguém consegue criar uma transparência total.
(...)
Vivemos à beira de um abismo que não é redutível ... O caos de certa maneira revitaliza o cosmos, é uma fonte de energia e é isso o que o poeta sabe.
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Há sempre uma rouquidão no poema que é a voz do caos, da origem do combate que houve com a treva, com a imperfeição, com a desordem em que o poeta se afogou e de que emerge através do poema. Pode dizer-se que escrevemos poesia para não nos afogarmos no caos.
(...)
Para mim é claro que se escreve a partir de um caos ... e se tenta emergir, até pelo nomear das coisas. Porque temos nós tanta necessidade de escrever? Há sempre uma sensação de perdição que nos leva a escrever, até para ver onde estamos, para compreender onde estamos.
(...)
O poema não é o caos, percebe? O poema é arrancado ao caos e traz ainda a sua ressonância, os seus ecos."
 
 
JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 26, 16 de Fevereiro de 1982
Entrevista de Maria Armanda Passos

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