"Meu irmão, tu nada sabes da noite,
nada sabes deste tormento que inteiramente me prostrou,
do mesmo modo que a poesia, que transportou a minha alma,
nada sabes destes mil crepúsculos, mil espelhos,
que me hão-de precipitar no abismo.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que eu tive de vadear como o rio,
cujas almas foram há muito estranguladas pelos mares,
e nada sabes da fórmula de esconjuro
que a nossa Lua me abriu entre os ramos secos
como um fruto da Primavera.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que me impeliu através das sepulturas do meu pai,
que me impeliu através de florestas maiores do que a Terra,
que me ensinou a ver nascer e pôr o Sol
nas trevas doentes do meu trabalho diário.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
do desassossego que atormentou a argamassa,
nada sabes de Shakespeare nem da caveira brilhante
que carregou, como pedra, cinza por milhões multiplicada,
que rolou para as costas brancas,
sobre guerra e podridão em risada contínua.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
porque o teu sono passou por entre os troncos fatigados
deste Outono, através do vento, que lavou os teus pés como a neve."
"Na Terra E No Inferno" de Thomas Bernhard
Assírio & Alvim, Outubro de 2000
Página 129
Sem comentários:
Enviar um comentário