"I
A chuva anda por longe, entretida
a causar inundações na Indonésia.
A chuva dir-se-ia que por estes lados
deixou de ser possível
e que a morte à míngua de água
traz debaixo de olho a Terra Quente.
II
Hoje acumularam-se umas quantas nuvens
e chegou a parecer que choveria.
As pessoas punham, desassossegadas,
olhos e rogos no céu.
Mas logo o vento mudou
e dispersou a esperança, enxotou-a
como se enxota um velho cão vadio
que vem coçar as pulgas para junto de nós.
III
Um velho de sacho ao ombro
Um velho de sacho ao ombro
segue cismando em direcção à horta
- lugar onde pertencem os dias que lhe restam - ,
cruza-se comigo no caminho.
Com modos que já só a aldeia sabe,
levanta o chapéu e diz com desalento:
ainda não foi hoje que choveu.
E é o seu próprio olhar que vai chovendo
conformação sobre a pesada, opaca
poeira do caminho."
A.M. Pires Cabral em "Gaveta do Fundo"
A.M. Pires Cabral em "Gaveta do Fundo"
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