"Há quem diga que as palavras são coisas mastigáveis como os alimentos, e há ainda quem entre em pormenores como quem entra numa sala, dizendo que se todas as palavras são mastigáveis e transportáveis pela língua de um lado para o outro da boca, nem todas alimentam os homens; só certos versos o farão.
Poderão os versos de grandes poetas alimentar um homem durante alguns dias, senhor Breton? Eis uma pergunta. Possuirão os versos, questiono, qualidades de energia surpreendentes, como se tivessem componentes semelhantes a proteínas e glícidos?
Sabe-se já, há muitos anos, que certos produtos se decompõem em outros produtos mais pequenos, libertando energia nesse processo. Resta saber o que sucede quando um verso se decompõe nos seus constituintes; quando depois de balançar na boca que o diz, desce ao estômago e se divide.
(...)
Em que se dividirá o verso? Em letras? Em outra coisa? E o que resultará dessa decomposição? Que energia será aí libertada? Será uma energia inútil, ou, pelo contrário, será algo capaz de influenciar os nossos actos? A energia de decomposição de um verso será capaz de fortalecer o estômago e a vontade?"
Gonçalo M. Tavares em "O Senhor Breton e a entrevista"
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