quarta-feira, 3 de abril de 2019

Então queres ser escritor?

"se não rebentar de dentro de ti
a despeito de tudo,
não o faças.
a não ser que venha espontaneamente
do teu coração e da tua mente e da tua boca
e das tuas entranhas,
não o faças.
se tens de te sentar durante horas
a olhar para o ecrã do teu computador
ou dobrado sobre a
máquina de escrever
à procura de palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou pela
fama,
não o faças.
se o fazes porque queres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens de te sentar aí e
rescrever tudo outra e outra vez,
não o faças.
se o simples acto de pensar em fazê-lo te custa,
não o faças.
se estás a tentar escrever como outra pessoa
qualquer,
esquece.
se tens de esperar que te saia
como um rugido,
então espera pacientemente.
se o rugido nunca te sair,
então faz outra coisa.
se primeiro tens de o ler à tua mulher
ou à tua namorada ou ao teu namorado
ou aos teus pais ou a quem quer que seja,
não estás pronto.
 
não sejas como tantos escritores,
não sejas como tantos milhares de
pessoas que se intitulam escritoras,
não sejas pesado e chato e
pretensioso, não te consumas com
autoestima.
as bibliotecas do mundo inteiro
bocejaram até adormecer
com gente do teu tipo.
não aumentes esse número.
não o faças.
a não ser que te saia
da alma como um foguetão,
a não ser que ficar parado
te leve à loucura
ou ao suicídio ou ao homicídio,
não o faças.
a não ser que o sol dentro de ti
te queime as entranhas,
não o faças.
 
quando a hora chegar verdadeiramente,
e caso tenhas sido escolhido,
acontecerá por si
e continuará a acontecer
até que morras ou que morra
em ti.
não há outra forma.
 
nem nunca houve."
 
Charles Bukowski  em "Os cães ladram facas [antologia poética]

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