domingo, 21 de abril de 2019

"O meu corpo destrói o passado, ou melhor, tira-mo, torna-o errante, sem ninguém que o reivindique, torna-o o passado de ninguém: não reconheço a criança que brinca, nem a sombra da tília, nem o saltitar do corvo, nem a voz de minha mãe, nem esta casa desenhada numa folha transparente, através da qual passa o silêncio de outros passados desfeitos, abandonados por outros corpos, o passado é a ficção de uma pertença, mas não uma ficção minha ou de outro:
é o passado a inventar-se uma trama coesa para sobreviver,
(o passado descobre-me, não me inventa, descobre-me como uma criança encontra, sem procurar, uma concha no meio da areia, é minha: diz ela a rir, o passado é, recordar o passado é, ..."
 
Rui Nunes  em "Suíte e Fúria"

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