"As estrelas tinham apenas uma função:
ensinar-me a ler
Tenho uma língua no céu
e outra na terra
Quem sou? Quem sou?
Não quero responder aqui
Uma estrela poderia cair sobre a sua imagem
o bosque dos castanheiros, levar-me de noite
para a via láctea e dizer
Vais ficar ali
O poema está em cima e pode
ensinar-me o que quiser
a abrir a janela por exemplo
a dirigir a minha casa por entre as lendas
e casar comigo. Algum tempo
O meu pai está em baixo
traz uma oliveira velha de mil anos
que não é do Oriente nem do Ocidente
Descansa talvez dos conquistadores
inclina-se ligeiramente sobre mim
e colhe-me lírios
O poema afasta-se
Entra num porto de marinheiros que gostam de vinho
nunca voltam a uma mulher
e não sentem desgostos nem saudades
por quem quer que seja
Ainda não morri de amor
mas a mãe que vê nos cravos
o olhar do filho teme que eles firam o vaso
Depois chora para conjurar o acidente
e subtrair-me aos perigos
em que vivo, aqui além
O poema está no meio
e pode, com os seios duma rapariga, iluminar as noites
com uma maçã, iluminar dois corpos
e com o grito duma gardénia
restituir uma pátria
O poema está nas minhas mãos e pode
administrar as lendas com o trabalho manual
Mas perdi a minha alma
quando encontrei o poema
e lhe perguntei
Quem sou?
Quem sou?"
"O Jardim Adormecido e outros poemas" de Mahmud Darwich
Campo das Letras, Editores
1ª edição: Maio de 2002
Páginas 97 e 98
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