todo o seu rumor agora destino agora música
lentas como os amantes de pálpebras descidas
pedras para um ritual de aliança no terraço do meio-dia
pedras em que as nascentes se despenham com a embriaguez da espuma
pedras de ruínas e pássaros e ervas selvagens
pedras que latejam no calor e são um templo do sono e um anúncio do mar
pedras que nos dão o sentimento do solo e sua firmeza inicial
pedras que são flancos na confusa trama ou nos sinuosos precipícios
pedras cujo misterioso sal é o sabor de uma sombria língua
pedras em que se consuma uma herança de silêncio e esquecimento
pedras cobertas de musgo nas encostas e tão tristes como os olhos da terra
pedras que descem da montanha até ao rio num passo adolescente
pedras entre raízes na melancolia dos líquenes
pedras solitárias que amam o vento e a cadência das marés
pedras que celebro com os primeiros orvalhos
pedras em que solidifico em que encontro o solo
pedras que na densidade são o verão das palavras
e a morada esparsa e a memória do olvido"
António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 418
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