segunda-feira, 20 de abril de 2020

"Há uma noção moderna a que já não é lícito renunciar: é a de autonomia. O sujeito ético deve defender a sua autonomia a qualquer preço, pois a renúncia a ela fá-lo desertar também da sua responsabilidade moral.
(...)
Procurar ser autónomo, numa tal perspectiva, não é recusar o marco de valores absolutos: a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a paz. É aceitar esses valores - fora dos quais não seria capaz de dizer o que é a ética - e propor-se seriamente realizá-los. Como? Procurando ver, na medida das possibilidades e responsabilidades de cada um, como se deve actuar, aqui e agora, de modo a contribuir para que o mundo em que vivemos seja mais humano.
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... a convicção de que não há outra forma de realizar a autonomia a não ser escutando os outros, confrontando pareceres e opiniões diversas.
Com efeito, a autonomia não é incompatível com o diálogo e com a necessidade do outro. Pelo contrário, uma autonomia sem diálogo corre o perigo de se ver «socializada», como teme Isaiah Berlin. Duas ameaças distintas ameaçam hoje o exercício da autonomia. Por um lado, a indolência do sujeito, a incapacidade de se distanciar das identidades impostas e que reduzem radicalmente a riqueza e a abertura do ser humano. As modas, a publicidade, a profissionalização, os credos políticos fornecem essas identificações que podem chegar a anular a criatividade do indivíduo. O outro perigo que atenta contra a autonomia é o medo de ser autónomo.
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Não se combate o individualismo negando o valor último da individualidade, mas entendendo que ninguém pode ser autêntico indivíduo sem contar com o outro."



"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 26 a 28

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