"Por que é que o indivíduo egoísta acaba por se submeter a certas obrigações? Por que é que deve acatar a lei? Como explicar-lhe que deve ser moral?
(...)
... a ética terá que ocupar-se, antes do mais, da justificação do estado e das suas leis: apresentá-los como um poder legítimo que serve para contrabalançar os perigos do egoísmo. Mas ao mesmo tempo, a ética será o freio aos poderes do estado convertendo-se na defensora dos direitos individuais. Ou seja, por um lado, justifica a submissão do indivíduo à lei e procura tornar explicável e lógica essa submissão; por outro, protege o indivíduo dos abusos do poder. A ética defende o indivíduo ao mesmo tempo que se propõe transformar o seu «errado individualismo» para que a paz, a segurança e a ordem social sejam possíveis. É necessário dizer que nem todas as teorias filosóficas são igualmente radicais na tese do egoísmo individual. O ser natural de Locke, por exemplo, é mais sociável, e também o de Hume. Rousseau, em troca, verá o estado social como a perversão de uma hipotética natureza inocente e piedosa. No que se refere a Kant, é difícil encontrar na sua obra ética e política uma visão na natureza humana como algo não pecaminoso e desviado, irredimível neste mundo. Seja como for, aí está a sociedade e as suas normas, frente a indivíduos que lhe são rebeldes. E essas normas, sem dúvida necessárias para a sobrevivência social e individual, devem servir tanto para controlar a ambição egoísta como para eximir o indivíduo de controlos desnecessários, limitando, desse modo, o poder na sua irresistível tendência para ocupar um terreno que não é seu.
"Paradoxos Do Individualismo" de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 31, 34 e 35
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