"Tenho tentado, nestes dias, dizer-me que aquilo que sinto não é muito importante. É o que tenho lido agora em vários livros: aquilo que sinto é importante, mas não é o centro de tudo. Talvez eu veja que é assim, mas não acredite nisso tão profundamente como seria necessário para fazer agir em conformidade. Queria ser capaz de acreditar mais profundamente.
Seria um grande alívio. Não teria de pensar o tempo todo naquilo que sinto, nem de estar sempre a tentar controlá-lo, com todas as complicações e consequências daí decorrentes. Não teria de passar o tempo todo a tentar sentir-me melhor. A verdade é que, se não acreditasse que aquilo que sinto é tão importante, não me sentiria provavelmente tão mal, nem me esforçaria tanto por me sentir melhor. Não teria de dizer: Oh, sinto tanta vergonha, é como se aqui fosse o fim de tudo para mim, nesta sala de estar escura, a altas horas da noite, com a rua escura lá fora, com a luz dos candeeiros de rua lá em cima, e sinto-me tão só, com a casa toda adormecida, sem encontrar reconforto seja onde for, tão só aqui, sem mais ninguém, nunca conseguirei sossegar o suficiente para adormecer, nunca serei capaz de adormecer, nem de aguentar o dia de amanhã, não aguento mais, já não aguento viver, nem um minuto mais que seja.
Se acreditasse que aquilo que sinto não é o centro de tudo, aquilo que sinto não seria o centro de tudo, mas só uma coisa entre muitas, um aspecto lateral, e seria capaz de ver e prestar atenção a outras coisas igualmente importantes, e sentiria assim algum alívio.
Mas é curioso que vejas que uma ideia seja absolutamente verdadeira e acertada e, apesar de tudo, não acredites nela com a profundidade bastante para agires em conformidade. Por isso, continuo a agir como se os meus sentimentos fossem o centro de tudo, e eles continuam a fazer com que eu acabe aqui, a altas horas da noite, junto à janela da sala de estar. O que é diferente, agora, é que tenho a seguinte ideia: a ideia de que em breve deixarei de acreditar que os meus sentimentos são o centro de tudo. O que é um reconforto real para mim, porque, se desesperas de ser capaz de continuar, mas, ao mesmo tempo, te dizes que o teu desespero talvez não seja muito importante, então ou deixas de te sentir o desespero, ou continuas a desesperar, mas ao mesmo tempo que começas a ver como também o teu desespero talvez se torne um aspecto lateral, uma coisa entre muitas outras."
"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Páginas 238 e 239
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