"Os tomateiros desenvolvem assim um forte talento aromático - está-se subitamente num jardim de pároco provençal - enquanto as alfaces libertam uma frescura frágil, os pepinos, cheiros picantes e proletários, as folhas dos feijões, uma transpiração de selva. Maturação. Os tomates turgescentes, fendidos aqui e ali sob a pressão da carne, inchados, quistosos, soberbamente desiguais, são depostos em cestos de verga. Do pátio atrás da casa, sombra fresca do norte, o meu pai tira um grande queimador que pousa diretamente no solo e liga a uma garrafa de gás. A minha mãe limpa caçarolas em ferro branco tão grandes que eu poderia lá ser cozido. Contemplo a cena, debruçado na janela aberta da nossa cozinha. Massacre azteca: a minha mãe tem as mãos ensanguentadas. A sua faca corta, esmaga, separa, faz saltar a popa, põe a nu sementes, carne e alvéolos. Os tomates choram o seu sumo. Imagino uma compota na qual tenho o desejo súbito de mergulhar os braços. As caçarolas estão cheias. Tudo isso cochicha, marulha, palra, ferve. A minha mãe mexe com uma colher de pau, prova com o dedo, tempera, trauteia Que sera sera. O meu pai acompanha-a a assobiar, instala o esterilizador, espécie de caldeira em zinco que parece um chapéu alto para gigante de feira. Os tomates, é claro, desapareceram. Só restam os seus sangues misturados, doces, unidos, ferventes, cujos vapores sobem até mim e me deixam encantado. Açúcar e sol. Condensado estival. Com a ajuda de uma concha para sopa, a minha mãe enche os boiões que o meu pai lhe estende, depois este aplica um anel de borracha no seu gargalo, fecha-os, e coloca-os no esterilizador."
"Perfumes" de Philippe Claudel
Sextante Editora
1ª edição, Abril de 2014
Páginas 96 e 97
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