esta queixa dou ao vento:
os que semeiam e regam
e fazem podas e enxertos,
os que cortam e carregam
debaixo de um sol de fogo
a melancia rosada,
o melão que cheira a céu,
ainda e sempre, todavia,
não têm "canto de chão".
Se o tivessem, não vagueavam
como a lanugem ao vento,
e se eu também o tivesse
não erraria como eles,
porque nasci, ouve bem,
pró amor, para o prazer
de semear milho que canta,
de espreitar os medronheiros
ou de ferver cada tarde
compotas sabendo a céu.
Mas foi em vão que em menina
descasquei a fruta ao sol
e em vão empilhei cachos
nas suas pequenas caixas,
e em vão espreitei as courelas
de medronheiros com dono,
porque os meus pais não tiveram
a terra dos seus avós,
e não fui feliz, ó corça,
e choro mesmo sem corpo,
sem ver as doze montanhas
que me velavam o sono,
ao dormir e acordar
com a fala de cem hortos
e com a sílaba imensa
do rio dentro do meu sonho."
Gabriela Mistral em "Antologia Poética"
Editorial Teorema, 2002
Páginas 104 e 105