terça-feira, 28 de abril de 2020

"Os amantes nunca se combinam bem, não acha? Um deles lança sempre a sua sombra sobre o outro e impede-o de crescer, de modo que aquele que se sente sufocado procura desesperadamente um meio de evadir-se, para poder crescer sem entraves. Não é este o drama essencial do amor?"


"Um artista não vive a sua vida pessoal como nós fazemos, oculta-a, obrigando-nos a penetrar nos seus livros se desejamos conhecer a verdadeira fonte dos seus sentimentos. Para além de todas as suas preocupações sexuais, sociais, religiosas, etc. (todas as abstracções que constituem a matéria-prima que alimenta as segregações do cérebro), está simplesmente um homem torturado para além do que é possível suportar, pela falta de ternura que existe no mundo."


"Não dependem todas as coisas da interpretação que damos ao silêncio que nos rodeia?"


" - Então quanto tempo vai durar este amor? (em tom de brincadeira).
  - Não sei.
  - Três semanas, três anos, três décadas?
  - Você é, afinal, igual aos outros ... procurando meter a eternidade dentro de números! (Com voz calma mas pondo toda a alma no que dizia.)"



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Páginas 199, 200, 201 e 205
"A minha relação com os animais é de tal forma extraordinária que os leva a falar a linguagem humana, uma pura linguagem de sentimentos, e lhes confere o dom do pensamento humano. Os animais têm para mim o dom da filosofia, e acredito que estejam sempre na iminência de dominar a perfeita gramática da natureza, o que me leva também, na realidade, a sentir medo dos animais. O homem culto julga sempre ser seu dever proteger a natureza, e no entanto é completamente dominado por ela."


Thomas Bernhard  em "Perturbação"
Relógio D'Água, 1990
Página 215
"Por que é que o indivíduo egoísta acaba por se submeter a certas obrigações? Por que é que deve acatar a lei? Como explicar-lhe que deve ser moral?
(...)
... a ética terá que ocupar-se, antes do mais, da justificação do estado e das suas leis: apresentá-los como um poder legítimo que serve para contrabalançar os perigos do egoísmo. Mas ao mesmo tempo, a ética será o freio aos poderes do estado convertendo-se na defensora dos direitos individuais. Ou seja, por um lado, justifica a submissão do indivíduo à lei e procura tornar explicável e lógica essa submissão; por outro, protege o indivíduo dos abusos do poder. A ética defende o indivíduo ao mesmo tempo que se propõe transformar o seu «errado individualismo» para que a paz, a segurança e a ordem social sejam possíveis. É necessário dizer que nem todas as teorias filosóficas são igualmente radicais na tese do egoísmo individual. O ser natural de Locke, por exemplo, é mais sociável, e também o de Hume. Rousseau, em troca, verá o estado social como a perversão de uma hipotética natureza inocente e piedosa. No que se refere a Kant, é difícil encontrar na sua obra ética e política uma visão na natureza humana como algo não pecaminoso e desviado, irredimível neste mundo. Seja como for, aí está a sociedade e as suas normas, frente a indivíduos que lhe são rebeldes. E essas normas, sem dúvida necessárias para a sobrevivência social e individual, devem servir tanto para controlar a ambição egoísta como para eximir o indivíduo de controlos desnecessários, limitando, desse modo, o poder na sua irresistível tendência para ocupar um terreno que não é seu.



"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 31, 34 e 35

A Raiz Afectuosa

"Com os anos
a pouco e pouco
a raiz afectuosa
penetrou
no fundo da terra
até chegar ao mais pequeno
e mais antigo
veio de lágrimas."


"Antologia Poética" de António Osório
Quetzal Editores, Lisboa 1994
Página 11
"Há um caminho de macieiras
que vai para a minha terra
quando vem a primavera e a
árvore começa verde sobre 
a cor do sulfato.

Triste destino o dessa estrada.
Ficou isolado e o seu carácter
diluiu-se no corpo do tempo,
colidiu com outros caminhos
e o seu povo foi lançado no fogo,
o rosto desvaneceu-se.

Construímos a nossa casa sobre
as areias;
a duna desfez-se
e o nosso palácio desaparece
como desaparecem as nossas imagens."


"a pequena pátria" de João Miguel Fernandes Jorge
Editorial Presença, Lisboa 2002
Página 82

segunda-feira, 27 de abril de 2020

"Não há pior sofrimento do que amar uma mulher que nos entrega o corpo sem ser capaz de entregar o ser verdadeiro ser - porque não sabe onde encontrá-lo."


"Bem, não descobri em nenhuma religião a menor parcela de apaziguamento, a mais ténue esperança de alívio. Parecia-me que todas as Igrejas, todas as seitas não eram, na melhor das hipóteses, senão escolas para ajudar a vencer o medo."


"As palavras que os apaixonados empregam às vezes estão carregadas de falsas emoções. Somente os silêncios possuem aquela precisão cruel que lhes confere a verdade."


"Creio que nós, os escritores, temos um coração de pedra. Os mortos não contam. São os vivos que nos interessam desde que possamos arrancar-lhes a mensagem que se esconde no cerne de toda a experiência humana."



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Páginas 119, 165, 186 e 196 
"Ao nível dos sentimentos, não ao nível racional, sabemos que os nossos alicerces estão na terra, nas camadas profundas, e isso faz-nos medo."


"Cada um de nós mantém consigo próprio uma permanente discussão e acaba por declarar: O meu eu não existe. Cada ideia contém em si um número infinito de ideias. Senti sempre, desde a mais tenra idade, a necessidade de me entregar aos devaneios da minha imaginação, e deixei-me sempre arrastar pela minha imaginação para muito longe ..."


"A nossa vida dura o estritamente necessário para nos prepararmos para a morte."


"As pessoas, e cada uma isoladamente, podem muito bem ser encaradas como personagens de um folhetim, publicado diariamente e impresso na natureza."


"Como o senhor bem sabe, desprezo tudo o que não implica esforço, é esse o meu princípio supremo, o único que tenho. Exijo sempre o máximo. Mas o máximo amedronta."



Thomas Bernhard  em "Perturbação"
Relógio D'Água, 1990
Páginas 208, 209, 215, 216 e 222

Ofício

"Armazenar sofrimento.

Distribuí-lo depois
límpido."


"Antologia Poética" de António Osório
Quetzal Editores, Lisboa 1994
Página 69

Aquilo Que Sinto

"Tenho tentado, nestes dias, dizer-me que aquilo que sinto não é muito importante. É o que tenho lido agora em vários livros: aquilo que sinto é importante, mas não é o centro de tudo. Talvez eu veja que é assim, mas não acredite nisso tão profundamente como seria necessário para fazer agir em conformidade. Queria ser capaz de acreditar mais profundamente.
Seria um grande alívio. Não teria de pensar o tempo todo naquilo que sinto, nem de estar sempre a tentar controlá-lo, com todas as complicações e consequências daí decorrentes. Não teria de passar o tempo todo a tentar sentir-me melhor. A verdade é que, se não acreditasse que aquilo que sinto é tão importante, não me sentiria provavelmente tão mal, nem me esforçaria tanto por me sentir melhor. Não teria de dizer: Oh, sinto tanta vergonha, é como se aqui fosse o fim de tudo para mim, nesta sala de estar escura, a altas horas da noite, com a rua escura lá fora, com a luz dos candeeiros de rua lá em cima, e sinto-me tão só, com a casa toda adormecida, sem encontrar reconforto seja onde for, tão só aqui, sem mais ninguém, nunca conseguirei sossegar o suficiente para adormecer, nunca serei capaz de adormecer, nem de aguentar o dia de amanhã, não aguento mais, já não aguento viver, nem um minuto mais que seja.
Se acreditasse que aquilo que sinto não é o centro de tudo, aquilo que sinto não seria o centro de tudo, mas só uma coisa entre muitas, um aspecto lateral, e seria capaz de ver e prestar atenção a outras coisas igualmente importantes, e sentiria assim algum alívio.
Mas é curioso que vejas que uma ideia seja absolutamente verdadeira e acertada e, apesar de tudo, não acredites nela com a profundidade bastante para agires em conformidade. Por isso, continuo a agir como se os meus sentimentos fossem o centro de tudo, e eles continuam a fazer com que eu acabe aqui, a altas horas da noite, junto à janela da sala de estar. O que é diferente, agora, é que tenho a seguinte ideia: a ideia de que em breve deixarei de acreditar que os meus sentimentos são o centro de tudo. O que é um reconforto real para mim, porque, se desesperas de ser capaz de continuar, mas, ao mesmo tempo, te dizes que o teu desespero talvez não seja muito importante, então ou deixas de te sentir o desespero, ou continuas a desesperar, mas ao mesmo tempo que começas a ver como também o teu desespero talvez se torne um aspecto lateral, uma coisa entre muitas outras."



"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Páginas 238 e 239

sábado, 25 de abril de 2020

"Servimo-nos dos outros como se fossem machados para abater aqueles a quem realmente amamos."


"Até que ponto posso afirmar que o conheci? Descubro que cada pessoa só pode pretender conhecer o aspecto do nosso carácter. Para cada um dos que nos conhecem, voltamos uma face diferente do prisma."


"O amor é terrivelmente permanente e cada um de nós só tem direito à sua pequena porção. Pode aparecer sob uma infinidade de formas e prender-se a uma infinidade de pessoas. Mas é limitado em quantidade, e não pode esgotar-se e desaparecer antes de alcançar o seu verdadeiro objecto. O seu destino oculta-se algures, nas mais profundas regiões da alma, onde acabará por se reconhecer como o amor de si, o terreno sobre o qual construímos uma espécie de saúde da alma. E isto não é nem egoísmo nem narcisismo."


"Há neste mundo naturezas votadas à autodestruição, e com elas são inúteis os argumentos racionais."



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Páginas 100, 106, 114/115 e 117
"A maioria das pessoas esgotava-se no preenchimento das duas funções principais que lhe eram atribuídas, ou seja comprar e consumir. Se se observasse devidamente ver-se-ia que as pessoas tinham desenvolvido ao longo de séculos, «como temos agora oportunidade de constatar», disse o Saurau, «unicamente estes dois instintos, o de comprar e o de consumir, o de adquirir e o de esgotar. Bom seria que esta constatação fosse chocante para nós», disse o Saurau, «e que esse choque nos deixasse apavorados!»


"Levantara-se a meio da noite anterior, fora à biblioteca e exclamara dirigindo-se aos livros: Sois os meus mantimentos!"


"A solidão é a via que conduz o ser humano à repulsa."


"Mas de facto, disse o príncipe, quando falamos, aqueles que nos escutam só conseguem atingir a fronteira exterior do que dizemos. Toda a nossa existência não passa de mera aproximação às fronteiras mais exteriores da vida."



Thomas Bernhard  em "Perturbação"
Relógio D'Água, 1990
Páginas 171, 181, 186/187 e 196/197
"Amar um homem, ou amar uma mulher toda a vida é teimar que uma vela acesa pode arder eternamente - concluiu ele, aspirando avidamente o fumo do cigarro."


"Sonata a Kreutzer" de Tolstoi
Editores Reunidos, Lda
Página 13

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Peso Do Mundo

"A poesia não é, nunca foi
uma enumeração ou composto
de exuberância, bondade,
altitude, nem arado
ou dádiva sobre chão
prenhe de mortos.

Nem o arrependimento
de Deus por ter criado o homem
com o rosto da sua memória,
ao lado dos seus vermes.

Tão pouco fôlego dos que amam
abrindo a porta límpida
do corpo e chovendo sobre a terra,
ou carregam como tartarugas
o peso do mundo.

Nem reverência por um tigre,
pela leveza maligna de todas as patas,
pela sonolência junto à estirpe
aprisionada também
na dureza de ser tigre.

É o milagre de uma arma
total, de uma só palavra
reduzindo o átomo à completa inocência."


"Antologia Poética" de António Osório
Quetzal Editores, Lisboa 1994
Páginas 77 e 78
"O ser humano não existe, disse o príncipe, se não possuir a sua catástrofe."


Thomas Bernhard  em "Perturbação"
Relógio D'Água, 1990
Página 169

segunda-feira, 20 de abril de 2020

"Num certo sentido não era a vida o que ela buscava, mas uma revelação profunda e absoluta que afinaria todos os seus sentidos."


" - Todos nós procuramos motivos racionais para crer no absurdo."


"As disciplinas do espírito podiam permitir às pessoas penetrar para além dos véus da realidade, descobrir as harmonias do espaço e do tempo que correspondiam à estrutura interna da sua própria psique."


"Compreendi, então, a verdade do amor: um absoluto que tudo aceita ou tudo despreza. Os outros sentimentos, a compaixão, a ternura e assim por diante, só existem à periferia, são aquisições da vida social e do hábito. A austera e impiedosa Afrodite é legitimamente pagã."



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Páginas 66, 84, 90/91 e 94
"Há uma noção moderna a que já não é lícito renunciar: é a de autonomia. O sujeito ético deve defender a sua autonomia a qualquer preço, pois a renúncia a ela fá-lo desertar também da sua responsabilidade moral.
(...)
Procurar ser autónomo, numa tal perspectiva, não é recusar o marco de valores absolutos: a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a paz. É aceitar esses valores - fora dos quais não seria capaz de dizer o que é a ética - e propor-se seriamente realizá-los. Como? Procurando ver, na medida das possibilidades e responsabilidades de cada um, como se deve actuar, aqui e agora, de modo a contribuir para que o mundo em que vivemos seja mais humano.
(...)
... a convicção de que não há outra forma de realizar a autonomia a não ser escutando os outros, confrontando pareceres e opiniões diversas.
Com efeito, a autonomia não é incompatível com o diálogo e com a necessidade do outro. Pelo contrário, uma autonomia sem diálogo corre o perigo de se ver «socializada», como teme Isaiah Berlin. Duas ameaças distintas ameaçam hoje o exercício da autonomia. Por um lado, a indolência do sujeito, a incapacidade de se distanciar das identidades impostas e que reduzem radicalmente a riqueza e a abertura do ser humano. As modas, a publicidade, a profissionalização, os credos políticos fornecem essas identificações que podem chegar a anular a criatividade do indivíduo. O outro perigo que atenta contra a autonomia é o medo de ser autónomo.
(...)
Não se combate o individualismo negando o valor último da individualidade, mas entendendo que ninguém pode ser autêntico indivíduo sem contar com o outro."



"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 26 a 28

sábado, 18 de abril de 2020

Rozalén - Aves Enjauladas

"É uma filha da terra, que tem necessidade de ar, de espaço, de árvores. Mantém com a natureza uma relação quase carnal. Sabem-no as plantas que desabrocham ao contacto dos seus dedos.
O que ela recusa, em contrapartida, é a sua parte animal. Os breves acessos de furor, por exemplo, que revelam as tempestades escondidas que o seu autodomínio esconde."


"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Página 351
"Cada um de nós tem a sua forma de apreender Deus. Tenho a certeza de que compreenderão o que quero dizer quando digo que as pessoas encontram Deus, por assim dizer, em certos lugares; as pessoas têm, em relação a Deus, um sentido de direcção, uma sensação de que aqui está o que é mais real, melhor, mais verdadeiro. Esta sensação de realidade e importância liga-se a certas experiências das nossas vidas ... e, para pessoas diferentes, essas experiências podem ser diferentes. Deus fala-nos em várias línguas. É a isto que temos de estar atentos."


Iris Murdoch  em "O Sino"
Publicações Europa-América
Página 180

sexta-feira, 17 de abril de 2020

"Pensava e sofria muito, mas faltava-lhe a força necessária para ousar, que é a condição essencial para realizar seja o que for."


"Sei bem que o mundo ignora esta espécie de paradoxo e não está habituado a ele; mas Nessim conhecia-a e aceitava-a de um modo que é absolutamente incompreensível para aqueles que não conseguem separar o amor dos ideais corruptos da propriedade privada."


"Nós somos os filhos da paisagem em que vivemos; é ela que traça o nosso comportamento e até os nossos pensamentos, na medida em que nos influencia."


"Deu-me a impressão de uma pessoa empenhada em fornecer uma série de cruéis caricaturas de si própria - mas isso é uma atitude comum às pessoas solitárias que crêem que o seu verdadeiro eu não pode encontrar eco em qualquer outro ser."



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Páginas 32, 35, 42 e 64
" É necessário dizê-lo: a ética tem que ser individualista, tem que preservar o indivíduo, mas essa preservação é, ao mesmo tempo, um direito e uma exigência: direito do indivíduo determinar o que quer e deve ser, exigência ao indivíduo de responsabilidade perante os outros como ser humano. Só assim, com essas exigências, pode construir-se uma ética, como propõe Fernando Savater, na base do «amor próprio».
(...)
É necessário dar a dimensão do humano, mas sabendo, ao mesmo tempo, que não existe uma única forma de nos mostrarmos humanos, que a humanidade «se diz de muitas maneiras»."


"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Página 25
" ... a medida do tempo que sinto passar é, na realidade, somente a medida imensa da minha indecisão."


"Não podemos dizer o tempo todo a verdade a toda a gente, e decerto não podemos nunca dizer a ninguém toda a verdade, porque seria necessário demasiado tempo para o fazermos."


"Sou capaz de pensar em situações mais interessantes, que se parecem com um encontro às cegas: por exemplo, quando alguém te oferece um livro, quando te marcam encontro com um livro. Uma vez ofereceram-me um livro de ensaios sobre a leitura, a literatura e o coleccionismo de livros. Senti que nos adaptávamos perfeitamente. Comecei a lê-lo imediatamente, no assento de trás do carro. Deixei de seguir a conversa dos lugares da frente. Gosto de ler coisas sobre a maneira como as pessoas lêem e coleccionam livros, e até mesmo sobre a maneira como os arrumam nas estantes."



"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Páginas 261, 277 e 290 

" - A condição essencial para uma vida boa - disse James Tayper Pace - é vivermos sem nenhuma imagem de nós próprios."


"E quais são as marcas da inocência? Candura ... uma palavra bonita ... verdade, simplicidade ..."


"Toby recebera, embora ainda não a tivesse assimilado, uma das primeiras lições da sua vida adulta: a de que uma pessoa nunca está segura. Podemos ser arrastados de um estado de inocente serenidade e mergulhados no seu oposto, sem qualquer situação intermédia, e as águas erguem-se muito alto acima das nossas imperfeições, bem como das das outras pessoas."


"Os nossos actos são como navios que podemos ver fazerem-se ao mar, sem sabermos com que carga voltarão ao porto."


"A violência nasce do desejo que as pessoas têm de escapar de si próprias."



Iris Murdoch  em "O Sino"
Publicações Europa-América
Páginas 115, 119, 141, 145 e 155

sábado, 11 de abril de 2020

"Falei da inutilidade da Arte mas esqueci-me de reconhecer as consolações que ela proporciona. O alívio que deriva do género de trabalho que produzo com o cérebro e o coração reside nisto: só no silêncio activo do pintor ou do escritor é que a realidade pode ser reelaborada e revelada no seu aspecto verdadeiramente significativo.
(...)
É na sua arte que o artista encontra, pela imaginação, um feliz compromisso com tudo quanto o feriu na vida quotidiana, e não para escapar ao seu destino, como faz o homem vulgar, mas para realizá-lo da forma mais adequada e completa que lhe for possível."



"O Quarteto de Alexandria" de Lawrence Durrell
Publicações Dom Quixote, 2012
Página 22
"As descobertas e as grandes viagens com que desponta a modernidade introduziram o relativismo no pensamento. O indivíduo deixou de ter um fim pré-fixado: foi concebido como um ser livre para forjar e escolher a sua própria vida. Nasceu a ideia da tolerância juntamente com a convicção de que o nosso mundo é plural e diverso. Desde então, sabemos que universalidade e individualismo têm de ser compatíveis. Não só é aceitável a projecção em formas de vida diferentes como a diferença é boa em si mesma, enriquece-nos a todos. Este é, no entanto, um ponto de vista que só estamos dispostos a defender em teoria e sempre e quando não nos exija demasiados sacrifícios. Hoje, no mundo desenvolvido, onde o que é diferente poderia ter mais oportunidades de expressão, as diferenças, venham de onde vierem, dissolvem-se rapidamente no crisol da americanização irreversível que engole todas as culturas. O mundo inteiro é Disneylandia. Longe de proporcionar iniciativas, o liberalismo económico homogeneíza as culturas. A moda é cómoda, dizia Ferrater Mora, porque «poupa o trabalho de pensar».



"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 21, 22
"É a nossa condição humana que leva uma e outra vez a que façamos o que preferíamos não fazer. Estamos longe da perfeição. Às vezes esqueço-me disso e fico depois muito zangada comigo."


"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Página 218

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Ambivalências do Individualismo

"Somos individualistas, ninguém o duvida. Mas isso é bom ou mau? Durante séculos, o pensamento preocupou-se em demonstrar que o indivíduo é e deve ser soberano: sujeito de um conhecimento que deve saber aplicar correctamente, sujeito definitivamente responsável e juiz das suas acções. A consciência talvez seja uma construção social, mas tem uma entidade pessoal intransferível, capaz de se distanciar do social para o criticar e avaliar. Há já algum tempo que a ética se desenvolve em torno de direitos fundamentais que são, em última análise, direitos individuais, e dos quais o primeiro é a liberdade. Por outro lado, não há ética sem autonomia, sem a consciência do sujeito moral da sua capacidade para criar ou aceitar livremente as suas normas de conduta. De acordo com os princípios éticos mais consolidados, não pode ser em absoluto mau pedir ao indivíduo que o seja de facto, que não deserde da sua liberdade nem renuncie ao dom, estritamente humano, de fazer da sua vida um projecto criativo. Não só não se pode rechaçar a concepção individualista da pessoa: é uma condição e um dever do sujeito moral manter a sua individualidade a salvo de intromissões ilegítimas; é uma condição e um dever do sujeito moral gostar de si próprio: não desprezar a própria valia, antes extrair dela o máximo rendimento.
Mas essa é a linguagem dos filósofos. Na linguagem de todos os dias falamos do individualismo em termos muito diferentes. O individualismo é, para nós, a anti-ideologia, o maior obstáculo para criar e apostar em empreendimentos ou ideais comuns. São individualistas os membros das sociedades liberais avançadas, porque se mostram insolidários, insensíveis em relação às desigualdades, sem qualquer interesse pelos assuntos públicos. O seu egoísmo, a sua escassa cidadania, o seu descuido em relação ao meio ambiente, a sua voluntária ignorância da justiça social evidenciam-se perante qualquer propósito que exija uma preocupação comunitária. Não são apenas individualistas os simples cidadãos que andam despreocupados: também o político o é na medida em que a sua profissão deixou de ser um claro serviço público, para ser um serviço dos interesses de um partido ou de uma classe profissionalizada. E são individualistas sociedades inteiras, precisamente as mais desenvolvidas, que são, por sua vez, as mais indiferentes às misérias daqueles que vivem pior: os países ricos ignoram os pobres, aqueles que têm assegurado o seu bem-estar despreocupam-se facilmente do bem-estar dos outros. O que causa preocupação não é tanto o indivíduo fechado em si e autocomplacente, mas os individualismos colectivistas e tribais cuja única expectativa é a perpetuação do grupo. Seja como for, a mónada leibniziana, que não tinha janelas para assomar ao exterior, é o modelo que melhor se adapta aos nossos cenários.
O panorama é desmoralizador e triste. Numa perspectiva individualista, a humanidade parece empenhada na sua extinção como tal, tão escassas são as manifestações de autêntica humanidade e dignidade. Existem, sem dúvida, mulheres e homens que cumprem satisfatoriamente o papel que lhes foi dado viver, não são más pessoas, mas poucas vezes - talvez só perante situações limite como a morte - fazem o esforço de se distanciar do seu cenário específico e envolver-se no seio de uma circunstância um pouco mais ampla. Mais além do círculo familiar ou profissional, mais além do círculo de amigos e dos círculos lúdicos ou culturais, há outras realidades que deveriam pelo menos excitar a curiosidade de qualquer ser humano. Um mundo tão comunicacional como o nosso deveria ter interesse mais dispersos. Individualismo significa atomização, fechamento na esfera privada e desafecto em relação ao público. E com isso, a democracia vê-se ameaçada nas suas próprias bases. Não ignoramos que as coisas são assim, mas faltam-nos ideias e, sem dúvida, vontade para corrigir esses dados. No que se refere aos filósofos, enquanto uns propõem o regresso a formas de vida comunitárias não de todo claras, ideais que pretendem recuperar algo tão longínquo para nós como a comunidade política grega, outros continuam a construir grandes teorias éticas como se nada tivesse deixado de funcionar e servisse de alguma coisa falar de justiça."



"Paradoxos Do Individualismo"  de Victoria Camps
Relógio D´Água Editores, 1996
Páginas 15 a 17
"Aqueles que esperam, ao afastar-se do mundo, conseguir tirar umas férias da fragilidade humana, da deles e da dos outros, ficam normalmente desiludidos."


Iris Murdoch  em "O Sino"
Publicações Europa-América
Página 75

Solianka: Pendões ao Vento

"Faz alto numa aldeia habitada exclusivamente por tártaros. Visita um acampamento calmuco e fazem-no entrar na tenda do lama principal. A tenda é muito limpa, coberta de feltro branco, com pétalas de rosa espalhadas que atapetam o solo. O sacerdote mostra-lhe os ídolos e os livros sagrados. Traz-lhe o pendão de seda ilustrado com os doze signos do zodíaco. Alguns dos pendões têm orações escritas. São colocados à porta da tenda, ao vento, porque se considera que deixá-los desfraldarem-se no ar equivale a recitar as orações que contêm. O lama pede chá: as folhas e talos da planta são incrustadas num grande bolo quadrado que, com manteiga e sal, é posto em água a ferver, à maneira mongol. O resultado é uma infusão repugnante, mas o viajante bebe-a, e, a seguir, pede autorização para se retirar. Toda a aldeia sai das tendas para o acompanhar até à margem do rio. Pelo menos uma terça parte dos homens da aldeia são sacerdotes."



"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Páginas 201 e 202

terça-feira, 7 de abril de 2020

"Há muitas pessoas, disse ela, e Michael não pôde se não concordar com ela, pois ele próprio se sentia uma dessas pessoas, «que não podem viver no mundo nem fora dele. São uma espécie de pessoas doentes, cujo desejo que sentem de se aproximarem de Deus os torna cidadãos insatisfeitos com uma vida normal, mas cuja força ou temperamento não lhes permite desistirem completamente do mundo; e a sociedade actual, com o seu ritmo acelerado e a sua estrutura mecanicista e técnica, não oferece um lar a estas almas infelizes. O trabalho, tal como é encarado agora», alegou a abadessa com um realismo que na altura surpreendeu Michael, «raramente provoca satisfação à pessoa semicontemplativa."



Iris Murdoch  em "O Sino"
Publicações Europa-América
Páginas 71 e 72
"Uma vez fiz fatias de tofu marinadas em molho tamari, com vinagre de champanhe, vinho tinto, manjerona torrada e cogumelos chineses secos cozidos em água. Deixei-as a marinar por quatro ou cinco dias e, depois, servi-as, cortadas muito finas, em sandes com rábano picante e maionese, rodelas de cebola roxa, alface e tomate. Ele começou por dizer que o tofu ainda estava demasiado mole, que é o que diz sempre do tofu; disse a seguir, por outro lado, que, se não soubesse que aquilo tinha tofu, não teria dado pelo sabor, de tantas coisas que havia na sandes. Disse que estava bom, e acrescentou depois que sabia que o tofu lhe fazia bem.
Às vezes gosta do que eu faço e, se está de bom humor, diz-mo. Um dia, preparei-lhe uma salada de pepino com queijo feta e cebola roxa: ele gostou e disse que lhe sabia a comida grega. Uma outra vez, fiz-lhe salada de lentilhas com pimentos e menta, de que ele também gostou, embora tenha dito que sabia a lama."



"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Página 138

sexta-feira, 3 de abril de 2020

"Existem olhos que sabem ver, e cérebros capazes de síntese. Estes homens interrogam-se: «Se a verdade de anteontem foi derrubada pela de ontem, se a de ontem pela de hoje, não o será também a de hoje pela de amanhã?» E os mais audazes respondem: «E porque não?».
Existem olhos capazes de ver o que hoje ainda não foi «explicado» pela ciência actual. Estes homens interrogam-se: «Chegará a ciência a resolver estes enigmas, através do percurso que há tanto tempo segue? E se chegar, será que podemos confiar na sua resposta?»



Wassily Kandinsky  em "Do Espiritual Na Arte"
Publicações Dom Quixote
11ª edição, Setembro de 2017
Página 36
"Quando me dizem que alguém está feliz - disse Nick -, sei que não é verdade. Quando as pessoas são verdadeiramente felizes, esse facto nunca é mencionado. Não concordas, Toby?"


Iris Murdoch  em "O Sino"
Publicações Europa-América
Página 49

Afinidade

"Sentimos uma afinidade com certo pensador porque concordamos com ele; ou porque nos mostra o que já pensávamos; ou porque ele nos mostra de modo mais articulado o que já pensávamos; ou porque nos mostra o que estávamos perto de pensar; ou o que mais cedo ou mais tarde pensaríamos; ou o que teríamos pensado muito mais tarde se o não tivéssemos lido agora; ou o que seria verosímil que pensássemos, mas nunca teríamos pensado se o não tivéssemos lido agora; ou o que teríamos gostado de pensar, mas nunca teríamos pensado se o não tivéssemos lido agora."


"Contos Completos" de Lydia Davis
Relógio D' Água Editores, Julho de 2012
Página 267