domingo, 1 de novembro de 2020

O Japão no Feminino - Tanka ( Séculos IX a XI )


Este amor será
real ou um sonho apenas?
Como hei-de sabê-lo,
se a realidade e o sonho
existem sem existir? *
- Ono No Komachi

* Esta composição é profundamente budista (e platónica, no Ocidente) ao questionar «o mundo do meio». No mundo humano, e em especial no mundo do amor, qual a verdade do sonho e da realidade? O que podemos dizer «real»?


Terá o amor
de acabar em escuridão,
sem que vislumbremos
esse rasgão entre as nuvens
onde o luar enche o céu?
- Ono No Komachi


Ao ver o luar
derramar-se enquanto espreita
através das árvores,
meu coração fica cheio
e transborda neste Outono.
- Ono No Komachi


A aldeia do monte
poderá ser solitária ...
Mas viver aqui
é mais fácil que habitar
entre os desgostos do mundo. *
- Ono No Komachi

* Este poema coincide, no conteúdo, com a lenda a respeito de Komachi, segundo a qual a poetisa terá passado os seus últimos anos nas montanhas, levando uma vida solitária de austeridade budista.


Ao olhar a lua,
no meio do céu, solitária,
pela madrugada,
senti-me completamente
em unidade com ela. *
- Isumi Shikibu

* Esta composição, tal como outros poemas, é profundamente budista na sua expressão de um sentido de unidade entre o poeta e a lua.


Numa enseada
varrida pela maré,
vivemos a boiar.
Num mundo assim, porquê sermos
apegados aos poemas? *
- Isumi Shikibu

* O facto de este poema de desapego pela palavra escrita pertencer à autora de mais de mil poemas, torna-se especialmente comovente. Ele reflecte a ideia de que tudo é sujeito a mudança e de que, em consequência, qualquer tentativa de agarrar as coisas será uma fonte de sofrimento.




"O Japão no Feminino I - Tanka (Séculos IX a XI)" de Luísa Freire
Assírio & Alvim, Setembro 2007
Páginas 25, 26, 31, 33, 50 e 64

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