domingo, 27 de dezembro de 2020

Esdras e a criação da escritura sagrada


"Jerusalém poderá ser o melhor lugar para estudar os efeitos dos textos sagrados, mas está longe de ser o único afectado por eles. Desde Esdras, temos vivido num mundo dominado por escrituras sagradas. As escrituras sagradas são um subconjunto de textos fundadores, os quais criam coesão cultural, contam histórias da origem e do destino e ligam culturas ao passado remoto. Para além destas características mais gerais dos textos fundadores, as escrituras sagradas inspiram devoção e obediência. Isto aplica-se não só às chamadas religiões do livro - judaísmo, cristianismo e islão -, mas também a outras culturas, por exemplo os siques, que adoram as suas escrituras em templos, e os budistas, que colocaram curtos sutras sagrados em estátuas.
Por vezes, estes textos venerados mantêm as culturas reféns de antigas ideias, prendendo-as estritamente ao passado, às letras de um texto. Poderíamos chamar a este efeito fundamentalismo textual. As religiões do livro, o judaísmo, o cristianismo e o islão talvez estejam mais sujeitas ao fundamentalismo textual, mas todas as religiões baseadas em escrituras sagradas experimentaram ondas de fundamentalismo textual a determinado ponto da sua história. E o fundamentalismo textual não se limita também aos textos religiosos. A Constituição dos Estados Unidos, um texto fundador moderno com matizes sagradas, tem a sua quota-parte de intérpretes fundamentalistas, e com outro texto fundador moderno, O Manifesto Comunista, passa-se o mesmo. 
O fundamentalismo textual baseia-se em dois pressupostos contraditórios. O primeiro é de que os textos são imutáveis e fixos. O segundo reconhece a necessidade de os textos serem interpretados, mas restringe a autoridade da sua interpretação a um grupo exclusivo."



"O Mundo da Escrita" de Martin Puchner
Temas e Debates - Círculo de Leitores
1ª edição, Outubro de 2018
Páginas 62 e 63

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