segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Julião Sarmento: O Artista Como Ele É

 
"Não sente que no contexto actual, complexo em termos políticos e sociais, se exige a intervenção do artista de um modo mais eficaz e mais consequente no plano do quotidiano?
Julião Sarmento: Quanto mais exigente for o artista, mais consequências terá a sua intervenção. Acho que, de um modo geral, há uma grande falta de exigência. Há uma diluição do conceito e da ideia de arte. Enfim, isto era uma conversa para durar meses ... Eu não partilho do conceito generalista pelo qual a arte é tomada hoje em dia. Não me interessa a arte apenas enquanto fenómeno social e apenas enquanto instrumento político. Penso que a arte é sempre um instrumento político, é-o necessariamente quando preserva a autonomia e não se declina em questões de sociologia. Estou farto até à raiz dos cabelos de exposições de sociologia. Não quero. Quero, pelo contrário, sentir um murro no estômago através daquilo que vejo. Porque a arte, ao fim e ao cabo, e não nos podemos esquecer disto, chama-se arte visual e é visual porque são precisos olhos para a ver. E de repente essa não-necessidade da visualização das coisas, porque o que interessa é outro assunto qualquer colateral, é-me estranha. Recebo centenas de e-mails por dia a anunciar exposições com foco em assuntos sociais e problemas de bairro, a reclamar a necessidade de casas e melhoramento de vidas - tudo isto é extremamente importante mas não diz respeito à arte. Política habitacional com arte, não. Não é arte. Não se confundam as coisas."



"Julião Sarmento: O Artista Como Ele É" - conversas com Sara Antónia Matos e Pedro Faro
Editora Documenta
1ª edição, Dezembro de 2016
Páginas 116 e 117

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