segunda-feira, 15 de agosto de 2022

 
"Saída do café encontro no chão
uma garrafinha verde.

Era uma bela garrafinha,
pensei,
para colocar uma flor.

Enquanto a lavava para tirar
o cheiro e o rótulo
lembrei-me de um homem
que pousava ali para os lados
das Avenidas Novas.

Comia às vezes só molho e pão
e tinha sempre à frente
uma flor
dentro de uma garrafa suja.

Um dia estendi-lhe
uma peça de fruta à sobremesa
e ele sorridente,
convidou-me a comer também
daquele prato
de aspecto catástrofe.

Lembro-me de ter pensado que
há coisas que só se engolem
com muita fome e uma flor à frente.

Mas ele era um sem-abrigo ainda jovem
qualquer dia já nem vai precisar da flor."



André Tecedeiro em "A axila de Egon Schiele [poesia reunida 2014-2020]
Porto Editora
1ª edição, Outubro de 2020
Páginas 44 e 45

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