sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Um poema de Ana Hatherly

"Se eu pudesse dar-te aquilo que não tenho
e que fora de mim jamais se encontra

Se eu pudesse dar-te aquilo com que sonhas
e o que só por mim poderá ter sonhado

Se eu pudesse dar-te o sopro que me foge
e que fora de mim jamais se encontra
Se eu pudesse dar-te aquilo que descubro
e descobrir-te o que de mim se esconde

Então serias aquele que existe
e o que só por mim poderá ter sonhado."

in A Idade da Escrita, Ed. Tema, 1998

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Um poema de Albano Martins


"A teu lado viajo.
Contigo navego.
Remos são as palavras 

que te digo e escrevo.
Âncoras de ternura
com elas compomos
mastros de espuma.
Barcos é o que somos."

In Sob os Limos, 1986
" ... sinto que as minhas ambições de fraternidade se adequam mais a amar a humanidade, a tornar-me irmão da massa, do que a amar o indivíduo, mesmo que esse indivíduo seja de facto meu irmão."

Afonso Reis Cabral  em "O Meu Irmão"

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

 
"Eleva-te acima de qualquer altura;
desce mais fundo que qualquer profundidade;
concentra em ti todas as sensações das coisas criadas;
da Água, do Fogo, do Seco e do Húmido.
Pensa que te encontras simultaneamente em toda a parte:

na terra, no mar e no céu;
pensa que não nasceste nunca, que és ainda embrião:
jovem e velho, morto e além da morte.
Compreende tudo ao mesmo tempo
- os tempos, os lugares, as coisas:
as qualidades e as quantidades."
 
Hermes Trismegistos

domingo, 16 de outubro de 2016

Um Dia de Sol

 
"Eu amo as coisas que as crianças amam,
Mas em compreensão funda, acrescida,
Que eleva a minha alma, de anelante,
Sobre aqueles onde inda dorme a vida
 
Tudo o que é simples e é brilhante,
Despercebido à mais aguda mente,
Com infantil e natural prazer
Faz-me chorar, orgulhosamente.
 
Eu amo o sol com o seu brilho intenso,
O ar, como se pudesse abraçar
Com minha alma sua vastidão,
Embriagado de tanto o olhar.
 
E amo os céus com tal alegria
Que me faz de minha alma admirar,
Uma alegria que nada detém,
Uma emoção que não sei controlar.
 
Aqui estendido deixem-me ficar
Diante do sol, da luz absorvida,
E em glória deixem-me morrer
Bebendo fundo da taça da vida;
 
Absorvido no sol e espalhado
Por sobre o infinito firmamento
Como gotas de orvalho, dissolvido,
Perdido num louco arrebatamento;
 
Misturado em fusão com toda a vida,
Perdido em consciência, impessoal,
Fico parte da força e da tensão,
Pertença duma pátria universal;
 
E, de modo estranho e indefinido,
Perdidos no Todo, um só vivente,
Essa prisão a que eu chamo a alma
E esse limite a que chamo mente."
 
 
Alexander Search
In 'Poesia' , Assírio & Alvim , edição e tradução de Luisa Freire, 1999