domingo, 29 de junho de 2014

Fragilidade

"Teu nome nas águas
tão fundas, tão grandes
 
perde-se na espuma,
castelo de instantes.
 
No aço azul da noite
teu firme retrato
 
acorda entre nuvens
já desbaratado.
 
A sorte da pedra
é tornar-se areia.
 
Mas quem não soluça
pensando em teu rosto
 
reduzido a poeira ..."
 
Cecília Meireles  em "Retrato Natural"

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Delaney Allen




 

Família Hindu

 
"Os saris de seda reluzem
como curvos pavões altivos.
Nas narinas fulgem diamantes
em suaves perfis aquilinos.
Há longas tranças muito negras
e luar e lótus entre os cílios.
Há pimenta, erva-doce e cravo,
crepitando em cada sorriso.
 
Os dedos bordam movimentos
delicados e pensativos,
como os cisnes em cima da água
e, entre as flores, os passarinhos.
E quando alguém fala é tão doce
como o claro cantar dos rios,
numa sombra de cinamomo,
açafrão, sândalo e colírio.
 
(Mas quase não se fala nada,
porque falar não é preciso.)
 
Tudo está coberto de aroma.
Em cada gesto existe um rito.
 
A alma condescende em ser corpo,
abandonar seu paraíso.
Deus consente que os homens venham
a esta intimidade de amigos,
somente por mostrar que se amam,
que estão no mundo, que estão vivos.
 
Depois, a música se apaga,
diz-se adeus com lábios tranquilos,
deixa-se a luz, o aroma, a sala,
com os serenos perfis divinos,
sobe-se ao carro dos regressos,
na noite, de negros caminhos ..."


Cecília Meireles  em "Poemas Escritos na Índia"

domingo, 22 de junho de 2014

" ... os casais para serem felizes devem guardar jardins secretos. Espaços inacessíveis ao outro que funcionem como derradeiros redutos, ou memoriais do que um dia fomos e poderemos voltar a precisar de ser."
 
Possidónio Cachapa  em "O Mar por Cima"

sábado, 21 de junho de 2014

Sally Swatland

"La Jolla Coast", oil on board

"Minnow collectors", oil on canvas

"A May Morning", oil on canvas

"Morning Surf", oil on canvas

"Summer memories", oil on canvas

"Castle builders", oil on canvas

"Summer on long Island", oil on canvas

"Incoming tide", oil on canvas

"Summer reflections", oil on canvas

"By the sea", oil on canvas

"The colors of summer", oil on canvas

"Rhode Island Summer", oil on canvas

"Surf at Little Compton", oil on canvas

"Looking out to sea", oil on canvas
 

Canção do Amor-Perfeito

 
"O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
 
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
 
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
 
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas."
 
Cecília Meireles  em "Retrato Natural"

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Nadador

 
"O que me encanta é a linha alada
das tuas espáduas, e a curva
que descreves, pássaro da água!
 
É a tua fina, ágil cintura,
e esse adeus da tua garganta
para cemitérios de espuma!
 
É a despedida que me encanta,
quando te desprendes ao vento,
fiel à queda, rápida e branda.
 
E apenas por estar prevendo,
longe, na eternidade da água,
sobreviver teu movimento ..."
 
Cecília Meireles  em "Canções"

terça-feira, 17 de junho de 2014


Ar Livre

"A menina translúcida passa.
Vê-se a luz do sol dentro dos seus dedos.
Brilha em sua narina o coral do dia.
 
Leva o arco-íris em cada fio do cabelo.
Em sua pele, madrepérolas hesitantes
pintam leves alvoradas de neblina.
 
Evaporam-se-lhe os vestidos, na paisagem.
É apenas o vento que vai levando seu corpo pelas alamedas.
A cada passo, uma flor, a cada movimento, um pássaro.
 
E quando para na ponte, as águas todas vão correndo,
em verdes lágrimas para dentro dos seus olhos."
 
Cecília Meireles  em "Retrato Natural"

Da Inspiração "Pop Culture"

"Paradise falls"

"Back in 82"

"All work and no play"


"Nrvous"

"I got you babe"

"4 8 15 16 23 42"

"I'm a loner dottie, a rebel"

"Where's Carl?"

"Keep your hands off my lobby boy"

"So much time and so little to do"

"Somewhere over the rainbow"
 
Visto aqui !

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Aceitação

"É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.
 
É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
E assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.
 
Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.
 
Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar."
 
Cecília Meireles  em "Viagem"

domingo, 15 de junho de 2014

Arquitectura da Face











 

"Para grande espanto nosso, aproximamo-nos do final do século e o Novo Homem ainda não surgiu. Revolução nenhuma o conseguiu criar. Porque não é do interesse de nenhum Estado que ele surja. Porque teria de ser um homem com valores humanos, e um homem com estas características não se integraria no sistema, em nenhum dos que actualmente existem. Porque seria um homem que, acima de tudo, defenderia a vida, e, seguramente, desobedeceria à ordem de acionar a bomba que destruiria o planeta. Mas onde poderá existir a escola que consiga formar um ser que seja capaz de questionar, de contestar, de desobedecer, quando toda a educação está orientada para a obediência e a integração no sistema? O surgimento deste homem teria de ser o resultado do labor individual e consciente de um homem e de uma mulher, e estes estão por de mais ocupados em produzir e consumir irracionalmente. Esse novo ser teria de saber de onde vem e para onde vai. Teria de estar em comunhão alimentar com o seu passado, teria de regressar à sua origem e isso já não é possível. Perdeu-se a noção de ritual. De cerimónia. A modernidade rompeu com isso. O homem está perdido num labirinto de produtos idênticos. As casas, a roupa, a comida enlatada. Os seres humanos procuram desesperadamente uma saída.
(...)
Existe um fio que pode conduzir-nos até a ela, e esse fio é, nada mais nada menos, a nostalgia do passado. A nostalgia tem a ver com tudo o que perdemos, o ritual, a intimidade, as pulsões, o feminino. Urge recuperar uma relação individual e mais humana com a natureza. Necessitamos de Prometeus contemporâneos que roubem o fogo à indústria que contamina e produz irracionalmente e às fábricas de armamento, para que o homem o recupere e se salve. Recuperar o poder criativo do fogo e devolvê-lo ao lar. Recuperar a cozinha como espaço de sabedoria onde se pratica a arte e a vida. Onde se unem os produtos da terra aos do ar, o presente ao passado. "Onde a mistura dos princípios activo e passivo cria outra realidade artística e espiritual através de um acto amoroso."
 
Laura Esquível  em "Íntimas suculências - Tratado filosófico de cozinha"

Canção

"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
 
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
 
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio ...
 
Chorarei quando for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
 
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas."
 
Cecília Meireles  em "Viagem"

sábado, 14 de junho de 2014

"Os primeiros anos da minha vida passei-os junto ao fogão da cozinha da minha mãe e da minha avó, vendo como estas sábias mulheres, ao entrarem no recinto sagrado da cozinha, se convertiam em sacerdotisas, grandes alquimistas que brincavam com a água, o ar, o fogo e a terra, os quatro elementos que constituem a razão de ser do universo. O mais surpreendente é que o faziam com a maior das humildades, como se não estivessem a transformar o mundo através do poder purificador do fogo, como se não soubessem que os alimentos que preparavam e nós comíamos permaneciam dentro dos nossos corpos por muitas horas, alterando quimicamente o nosso organismo, nutrindo-nos a alma e o espírito, dando-nos uma identidade, uma língua, uma pátria.
Foi aí, junto ao fogão, que recebi da minha mãe as primeiras lições de vida. Foi aí que a Saturnina, uma criada recém-chegada do campo, a quem carinhosamente chamávamos Sato, me impediu um dia de pisar um grão de milho caído no chão, porque nele habitava o Deus do Milho e não se lhe podia faltar ao respeito. Foi aí, no lugar mais comum para receber as visitas, que me inteirei do que se passava no mundo."
 
Laura Esquível  em "Íntimas suculências - Tratado filosófico de cozinha"

Retro Internet :)