terça-feira, 19 de dezembro de 2023

"A Nossa Casa" de Sebastião Da Gama

 "A luz acesa
(petróleo débil)
e tu inquieta, feliz, à minha espera.
Cismam livros de versos sobre a mesa.
Sonolentos, os cravos da varanda
cabeceiam nos vidros.

Ando lá fora.
(Lá fora, a ventania,
a noite, o frio dos Astros,
a Poesia decerto ...)

A luz débil, insistes no bordado.
Os nossos filhos dormem
(levantaste-te agora para vê-los ...).

Irónica, a Poesia
sabe que ando lá fora a procurá-la,
indiferente ao vento e à noite fria."



Sebastião Da Gama em "Campo Aberto"
Ática, Janeiro de 1999
Páginas 110 e 111

"Plenitude" de Sebastião Da Gama

 
"Sorri, sorriste. O Mundo era pequeno.
Mas bastava. Cabia nele, intacto,
o encantamento pleno
que te detinha ali, junto de mim,
que nos detinha ali, serenos, puros,
longe da multidão, longe do Tempo
- rio que passava ao largo e nós ficávamos."



Sebastião Da Gama em "Campo Aberto"
Ática, Janeiro de 1999
Página 108

"O Cais" de Sebastião Da Gama

 "Já o cais não é de pedra,
de tanto sentir o Mar.
Já não é, a pedra, lisa:
já ganha forma de velas
pandas de vento e de orgulho;
já deixou de ser branquinha,
p´ra ser azul como as águas.

Já o cordame, que sonha
noite e dia sobre o cais,
o tem o sonho mudado
em algas prenhes de iodo.
Degraus de pedra se animam
e pelas ondas se atrevem
- botes sem mestre, perdidos,
sem outro leme que o gosto
de ir pelas ondas adentro.

Marujos que o nunca foram,
assentadinhos no cais
desde a hora do nascer,
quem foi que disse que tinham
raízes naquelas pedras?
- Já lhes despontam nas costas,
já por ares e mares os levam,
asas leves de gaivota.

Cada traineira que passa
convida o cais a sair.
Já o cais não é de pedra.
O sal moldou-lhe uma quilha,
as ondas o encurvaram,
os limos o arrastaram
p´ra lá de todo o limite,
e o cais cedeu ao convite
de ser um barco sem mestre.

Lá vai perdido nas ondas
e não lhe importa a chegada.
Deitou a bússola ao Mar.
Fez uma estaca do leme,
que atesta o sítio em que foi.
Voltou as costas à terra
e o seu destino cumpriu-se,
que era partir e mais nada."



Sebastião Da Gama em "Campo Aberto"
Ática, Janeiro de 1999
Páginas 87 e 88

"Carruagem de Terceira" de Sebastião da Gama

 "O Amor tinha sido
havia muito tempo.
(Seu cabelo era preto
e branco o seu vestido.)

O seu vestido é preto.
O seu cabelo é branco.
Vai sentada no banco
mesmo em frente do meu.

Ao lado, um vulto de homem
que é a memória viva
da força já antiga
que lhe agitava o seio.

Falam só do presente.
Mas suas mãos cruzadas
é nas coisas passadas
que poisam, meigamente.

Um halo de inocência
e de serenidade
- não a breve grinalda
de lírios ou de rosas -

lembra o amor sem posse
de onde lhes vem o ar
de deuses que se amaram
em dias que não morrem."



Sebastião Da Gama em "Campo Aberto"
Ática, Janeiro de 1999
Páginas 85 e 86

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Fotografando Palavras (X)


Mansardas

Quartos de mansarda têm tectos baixos
Inclinados como o meu pensamento
E neles ouvem-se bem as tempestades
Ficam no último andar de hotéis antigos
E graníticos sem varandas para o mar
Quartos de mansarda têm cadeirões
Abandonados e vazios com a forma do teu corpo
Junto a janelas exíguas com cortinas curtas
Quartos de mansarda têm camas por desfazer
Amantes ausentes e noites longas
Ficam mais perto do céu
Com virgens assexuadas
E analfabetos do amor como hóspedes
Dos quartos de mansarda avistam-se
Anjos caídos nos telhados das cidades
Porque perderam as asas.





Texto: Ana Paula Jardim
Fotografia: Paula Abreu Silva

Do projecto de Paulo Kellerman, fotografar palavras, aqui 😊

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

"Ilha" de Emanuel Jorge Botelho

 para o Manuel de Freitas


"guardamos, no linho, o doer do tempo.
o mar é a nossa cicatriz."


Emanuel Jorge Botelho em "O Livro Das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 48

"Onze Linhas Do Meu Endereço" de Emanuel Jorge Botelho

 para o Giuseppe


"pelo mar eu sempre soube
coisas de segredo,
como se por ele me chegasse 
a lisura do grito,
ou o riso de deus.

aprendi, com o meu pai,
que as ondas vêm do céu,
que são linhas que o céu desenha.

deve ser por isso,
que o mar sabe tanto do silêncio,
sabe quase tudo.



Emanuel Jorge Botelho em "O Livro Das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 47

"Acto de Contrição, ou quase" de Emanuel Jorge Botelho

 
"o que me atormenta tem a ver
com a saudade e a memória,
tudo coisas a que a alma dá guarida,
sem que o tempo fale disso com o lume.

eu só queria ter o silêncio alinhado com o medo,
e um pouco de água brava para dar a cada hora.

talvez, assim, o meu morrer fosse mais limpo,
sem a sombra, calada, do perdão."



Emanuel Jorge Botelho em "O Livro Das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 37

"Versos Do Desconsolo VI" de Emanuel Jorge Botelho

 para Paul Celan


"ter do tempo a rosa mais perfeita,
e vê-la cair, exausta,
rente aos dedos que há no medo.

desenhar disso o sudário mais inteiro,
e a sua sombra."



Emanuel Jorge Botelho em "O Livro Das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 23

"Balanço" de Emanuel Jorge Botelho

 "que fiz eu de mim em mais de setenta anos?
que dardo arremessei para a terra das certezas?
o silêncio começa a escapar-me,
e já é muito pouco o meu saber de tempestades.
resta-me, talvez, um pedaço de saudade,
e uma palavra, lavada, que ainda saiba a amoras.
no fundo, andei para aqui a podar a sorte,
na ânsia de querer tê-la, quase inteira,
dentro do lume que há no medo.

já só me resta uma estrela
para guardar dentro do bolso,
e um punho, vago de uso,
para dar às aves do céu."



Emanuel Jorge Botelho em "O Livro das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 17

"Botânica" de Emanuel Jorge Botelho

 "o silêncio que há dentro de um trevo,
essa rasura sobre os nomes do medo.
e a alma ateada,
a esse quase nada."



Emanuel Jorge Botelho em "O Livro das Coisas Ardidas"
Averno, Julho de 2023
Página 09

domingo, 15 de outubro de 2023

"Diário de Bordo" de Sebastião da Gama

 "Cá estou eu a julgar que vou remando ...

Cá vai Deus a remar
e eu a ser um remo com que Deus
rasga caminhos pelo Mar ..."



Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Página 103

"Apontamento" de Sebastião da Gama

 "É tão bom
sentir a ventania lá por fora
e a calma cá por dentro! ...

Ou o contrário disto:
vento e raiva cá por dentro, e, lá por fora, uma calma
que mais parece um gesto ou um olhar
de Cristo ...

Ou, então,
chegar a esta confusão
de não saber se o vento é lá por fora
se é cá por dentro ..."



Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Página 64

"Pasmo" de Sebastião da Gama

 
"Nessas noites de morna calmaria
em que o Mar se não mexe e o Arvoredo
não murmura, pedindo o Sol mais cedo,
que o resguarde da fria Ventania;

em que a Lua boceja, se embacia,
e as palavras estagnam, no ar quedo,
noites podres - até chego a ter medo
de me volver também Monotonia.

E então sinto vontade de atirar
meu corpo bruto e nu contra o espanto
da Noite, a ver se o quebro e vibro, enfim;

cair no lago morto e acordar
os cisnes que adormecem de quebranto ...

Mas só caio, afinal, dentro de mim."



Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Página 55

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

"Nevoeiro" de Sebastião da Gama

 "Há nevoeiro nos pinhais ...
Perfidamente, sorrateiro,
cresce, recresce o nevoeiro ...

Mas os pinheiros não sabem mais
se aquela branca longa mão fina
é p'ra afogá-los, se é uma carícia.

Subtil, manhoso, todo malícia,
sobe o nevoeiro ...
São quase imersos os pinheirais.
Mas os pinheiros não sabem mais
se hão-de gritar, se hão-de beijar
aquela fina branca mão longa
que os estrangula ..."



Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Página 61

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

"Serra-Mãe" de Sebastião da Gama

 "O agoiro do bufo, nos penhascos,
foi o sinal da Paz.
O Silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado* calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.

Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte amiga;
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.

O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra
nunca alcançou.

E outros murmúrios de água escuto, mais além:
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou.

Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia;
e o casamento de cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
- passam a dar-se em mim.

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr;
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
desceu da Serra e concentrou-se em mim.

E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar ...

Ai não te cales, água murmurante!
Ai não te cales, voz do Poeta errante!,

- se não a Serra pode despertar."

*folhado: flor da Serra



Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Páginas 35 a 37

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Fotografando Palavras (IX)


Em troca de um amor para sempre, jurou-lhe um poema por dia. Ilusão por ilusão.



Texto: Ana Miguel Socorro
Fotografia: Paula Abreu Silva

Do projecto de Paulo Kellerman, fotografar palavras, aqui 😊

"Como Uma Flor Do Vazio" de António Ramos Rosa

 
"Como se algo pousasse
com a suavidade de uma planta
de luz e silêncio

Uma pausa
Talvez o centro Subtileza
imponderável
de um sorriso sem sorriso
como uma flor do vazio

Algo que repousa
e regenera
em fulva fragrância
para além da página
vibração lisa do espaço
que não está no espaço
mas no seu indefinível limiar"



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 802

"Obra Poética II" de António Ramos Rosa (VI)

 "Vejo o teu rosto quotidiano
como se a penumbra
tivesse olhos
ou como se as raízes pudessem ver
através da sombra

Estou no húmus da casa
no húmus do silêncio
e vejo através das vértebras
de uma luz subterrânea
o teu rosto de terra

Há sempre muros e muros
e o nevoeiro dos dias
mas tu és uma chama
sobre a mesa posta

Vem a noite e as serpentes
envolvem as lâmpadas
e reduzem o espaço
Cada um procura
na palma das mãos
os grãos verdes do mar
O monstro vago da noite
desfoca o nosso olhar
e os joelhos vacilam
O teu rosto persiste
como se o teu torso fosse
o tronco de uma árvore"



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Páginas 577 e 578

domingo, 8 de outubro de 2023

"Obra Poética II" de António Ramos Rosa (V)

 "Amo este silêncio de baía vespertina
com a prata cinzenta do mar e das conchas das nuvens
Ouço o fundo agreste do tempo
como um campo de solidão amadurecida
e as espessas cores das rochas e dos bosques

Como celebrar esta densa carícia da amplitude cerrada
este profundo leito fulvo sob túmidas umbelas
e esta sala onde se repercute a planetária calma
dos campos de silêncio silvestre
como dentro da penumbra de uma lagoa entre juncais?

É esta força calma no núcleo de um fruto
este suave ardor de quem encontrou um templo natural
sem ter saído da sua própria casa
esta clarividência cega que se casa à duração
este maduro gosto do cinzento e do húmus húmido
é esta aliança inesperada este equilíbrio denso
que eu quero amassar em palavras leais
e entregar-te como se entrega uma pérola do tempo
que me acolheu com uma espécie de ternura fluvial"



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Páginas 567 e 568

"Obra Poética II" de António Ramos Rosa (IV)

 "Só este silêncio de plácidas folhas 
levemente acesas delicadamente abertas
reunindo a frigidez da pedra e o fulgor dos relâmpagos
poderá erguer a melancólica espádua
que é uma sombra solar sobre a ferida de um flanco
e na liberdade do olvido restaurar o azul
sobre um jardim branco onde uma urna guarda
o óleo das lâmpadas que iluminavam a nudez

Na página desponta uma boca fácil de sossego lento
e é talvez uma folha ou uma cabeça de centelhas
ou apenas a forma branca do desejo
na sua profundeza azul de nudez recente
ou então a felicidade de um espaço sem flores nem plumas
em que os gestos se apaziguam e as manchas se dissolvem
na instantânea transparência de um silêncio de estrela
que liga a mão ao olhar numa imensa suavidade"



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 502

sábado, 7 de outubro de 2023

"Obra Poética II" de António Ramos Rosa (III)

 "Pedras
todo o seu rumor agora destino agora música
lentas como os amantes de pálpebras descidas
pedras para um ritual de aliança no terraço do meio-dia
pedras em que as nascentes se despenham com a embriaguez da espuma
pedras de ruínas e pássaros e ervas selvagens
pedras que latejam no calor e são um templo do sono e um anúncio do mar
pedras que nos dão o sentimento do solo e sua firmeza inicial
pedras que são flancos na confusa trama ou nos sinuosos precipícios
pedras cujo misterioso sal é o sabor de uma sombria língua
pedras em que se consuma uma herança de silêncio e esquecimento
pedras cobertas de musgo nas encostas e tão tristes como os olhos da terra
pedras que descem da montanha até ao rio num passo adolescente
pedras entre raízes na melancolia dos líquenes
pedras solitárias que amam o vento e a cadência das marés
pedras que celebro com os primeiros orvalhos
pedras em que solidifico em que encontro o solo
pedras que na densidade são o verão das palavras
e a morada esparsa e a memória do olvido"



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 418

"Ela" de António Ramos Rosa

 "Ela é alba atravessando as árvores.
Nela há uma colina e com seu flanco
vê um sopro da terra, o rumor sob a língua,
o equilíbrio das margens, o silêncio,
areias, bosques, solidões.
Se enegrece ilumina os campos negros.
Desce ou ascende, sempre alba e sempre sombra.
Ela é o caminho que nos guarda."



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 213

"Voz Silenciosa" de António Ramos Rosa

 "O que é ser uma figura do silêncio?
O que é ser apenas o hálito de uma folha?
Alguém me descobrirá no meu círculo minúsculo?
Quem falará às pedras? Quem dirá a palavra?
Inclino-me sobre a água com um suave desejo
e quase canto no silêncio, adormecendo.
Amo a luz tranquila e o meu pequeno corpo
leve como uma clara chama. O mistério é meu.
Mas se alguém vier acariciar as pedras
eu cantarei na sua boca, descerei ao fundo
da garganta e serei nas suas veias
o frémito feliz de uma pedra harmoniosa."



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Página 170

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

"As Palavras" de António Ramos Rosa

 
"Há palavras que são sombras de árvores
ou um bálsamo da terra,
um pressentimento de espuma,
um incêndio do tacto,
uma reverência ao desconhecido.
Amo as palavras que são às vezes sonâmbulos cavalos,
satélites de granito,
raparigas cegas no fundo das casas,
veias de uma estrela submarina.
Como não amá-las pela brisa
se são pétalas de um clamor silencioso
ou anjos sossegados dormindo sobre a terra
ou lúcidas e ébrias, majestosas e puras,
magníficas como um dorso recamado de estrelas,
intacta revelação de invioladas luas?
Desconfio das palavras, mas às vezes são leves, musicais,
aves que planam sobre uma cidade branca,
ilhas mágicas, selados vasos, cordeiros recém-nascidos,
caravanas vermelhas, armadilhas de cristal,
amoroso tremor da matéria terrestre.
Como um boi nocturno das águas eu procuro
essas guitarras plantadas nas plantas
que através de eclipses e da distância
erguem uma árvore de música ou uma pirâmide
ou as lianas vivas que me defendem dos abismos.
Como estátuas de ar as palavras levantam-se
na harmonia delirante do nómada do deserto.
Quer sejam suspiros entre arbustos ou sonâmbulas melodias
estão sempre à altura dos seus próprios desejos.
Quer o cérebro sangre ou a terra estremeça
o seu cerimonial é inesgotável, as suas relíquias vivas.
São abelhas ou astros que buscam alimento
nos ninhos de amêndoa ou nos espelhos da lua?
Amo as palavras, acredito nos seus cristais secretos,
nos seus cavalos subterrâneos, nos seus densos diamantes.
Escrevo-as com minucioso ardor entre nascentes e sombras,
sei que são anjos de argila, antiquíssimos arqueiros
que disparam as flechas de erva sobre estrelas vivas."



António Ramos Rosa em "Obra Poética II"
Assírio & Alvim
1ª edição, Outubro de 2020
Páginas 160 e 161