sábado, 26 de setembro de 2015

Veneza

"Esta história aconteceu
Num país chamado Itália
Na cidade de Veneza
Que é sobre água construída
E noite e dia se mira
Sobre a água reflectida
 
Suas ruas são canais
Onde sempre gondoleiros
Vão guiando barcas negras
Em Veneza tudo é belo
Tudo rebrilha e cintila
 
Há quatro cavalos gregos
Sobre o frontão de S. Marcos
E a ponte de Rialto
Desenha aéreo o seu arco
Em Veneza tudo existe
Pois é senhora do mar
 
Dos quatro cantos do mundo
Os navios carregados
Desembarcam no seu cais
Sedas tapetes brocados
Pérolas rubis corais
Colares anéis e pulseiras
E perfumes orientais
 
Cidade é de mercadores
E também de apaixonados
Sempre perdidos de amores
E cada dia ali chegam
Persas judeus e romanos
Franceses e florentinos
Artistas e bailarinos
E ladrões e cavaleiros
 
Aqui só há uma sombra
As prisões da Signoria
E os esbirros do doge
Que espiam a noite e o dia
De resto em Veneza há só
Dança canções fantasia
 
Cada ano aqui se tecem
Histórias tão variadas
Que às vezes até parecem
Aventuras inventadas
 
Por isso aqui sempre digo
Que Veneza é como aquela
Cidade de Alexandria
Onde há sol à meia-noite
E há lua ao meio-dia*"

*Os últimos 3 versos são da tradição popular
 
 
Sophia de Mello Breyner Andresen  em "O Búzio de Cós e Outros Poemas"
 

domingo, 20 de setembro de 2015

Exílio

"Exilámos os deuses e fomos
Exilados da nossa inteireza"

Sophia de Mello Breyner Andresen  em "O Nome das Coisas"

Calvin Seibert ... o arquitecto da areia!













Arte Poética II

"A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia à qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida."

Sophia de Mello Breyner Andresen  em "Artes Poéticas"

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Peanut Oak




 
"Envie mensagens inspiradoras aos que mais gosta, dê cor à sua casa, passeie-se com uma capa para o telemóvel de fazer inveja ou faça da sua T-shirt uma peça única."

Conheça
aqui o trabalho desta criativa designer portuguesa, Patrícia Salazar Pino! :)

Ausência

"Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
 
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."
 
Sophia de Mello Breyner Andresen  em "Mar Novo"

domingo, 13 de setembro de 2015

Mongolian Book of Astrology, 19th century


Fernando Pessoa

"Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússola e sem astros
No mar indefinido
Teu exacto conhecimento impossessivo
 
Criaram teu poema arquitectura
E és semelhante a um deus de quatro rostos
E és semelhante a um deus de muitos nomes
Cariátide de ausência isento de destinos
Invocando a presença já perdida
E dizendo sobre a fuga dos caminhos
Que foste como as ervas não colhidas."
 
 
Sophia de Mello Breyner Andresen  em "Livro Sexto"

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

"Não me custa deitar tarde, o que me custa é não levantar cedo. Perder a manhã, desperdiçar um terço do dia, faltar ao encontro com o sol. Tem que ver com a índole, mas também com uma noção da existência que vê a vida como uma ampulheta - mas das que não se podem virar do avesso. A areia só passa uma vez."
 
Gonçalo Cadilhe em "Encontros Marcados"

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Personificações femininas da astronomia e geografia

 
Personificações femininas da astronomia e geografia, de Leonardus Valck
Amesterdão, 1706-30 (The Rijksmuseum, Amsterdam).

"Eu e a minha mulher tínhamos visitado Miss Stein e tanto ela como a amiga com quem vivia se tinham mostrado extremamente cordiais e afetuosas. Apreciáramos devidamente o grande estúdio povoado de grandes quadros. Aquilo era como estar numa das melhores salas de um dos mais belos museus, com a seguinte diferença porém: é que ali, além de desfrutarmos de uma vasta lareira que irradiava calor, proporcionando conforto, ofereciam-nos boas coisas de comer, chá e licores de destilação natural, feitos de ameixas escuras, de ameixas amarelas e de amoras silvestres. Essas bebidas, perfumadas e incolores, guardadas em garrafas de vidro lapidado, eram-nos servidas em cálices e, quer fossem de quetsche, de ameixazinhas amarelas ou de framboesas, todas elas sabiam aos frutos de que provinham, e, convertendo-se em fogo concentrado na nossa língua, aqueciam-nos e tornavam-nos comunicativos."
 
"Paris é uma Festa" de Ernest Hemingway