domingo, 16 de abril de 2023

"A Intacta Ferida" de António Ramos Rosa (II)

 "A erva fresca
tão próxima do que ninguém diz
mas se por ela passa
alguém que a olha
pode sentir que nada mais existe
do que esse frémito do eterno"


"O que escrevo por vezes
é como se um corpo de sombra
no meu corpo abrisse
o espaço de um silêncio
um espaço intacto e puro"


"Corpo
que avanças sempre
entre as tuas sombras
se tu respiras
é porque chamas
a tua própria luz
suspensa desse lábio
que bebe a tua sombra"


"Tudo o que queres
a densidade
a duração
o equilíbrio

como se de ti dependesse
como se as coisas esperassem
a luz da tua sombra"



António Ramos Rosa em "A Intacta Ferida"
Relógio D´Água, 1991
Páginas 22, 51, 53 e 83

"A Intacta Ferida" de António Ramos Rosa (I)

 
"Se a palavra fosse uma floração do silêncio
ou no seu cimo despontasse como uma bolha de água
Mas ela excede sempre a integridade da pureza
e nunca é tão nua como a sua sede
Todavia às vezes é como um murmúrio anterior
que nasce de uma antiga anuência
de uma subterrânea primavera
E é no seu frémito e no esquivo fulgor
que perpassa como um sopro da terra
a fértil indolência de uma idade
em que éramos o ritmo da verde ingenuidade."



António Ramos Rosa em "A Intacta Ferida"
Relógio D'Água, 1991
Página 15