terça-feira, 26 de dezembro de 2017

David Sylvian - Orpheus


"A morte de um livro, por exemplo. Ao chegar ao fim de um livro, que ao longo das suas páginas me deu tanto prazer, tanta reflexão, tanta vida, invade-me um sentimento que não sei precisar. A morte é sempre uma falta.
(...)
Mas o que é que morre, o que é que me falta quando chego ao fim de um livro? O livro jaz diante de mim como sempre esteve antes de iniciar a sua leitura, contudo já não é o mesmo livro anónimo, já não é um livro, mas aquele livro determinado, e determinado pelo meu tempo de leitura. O livro já não é a lombada, a encadernação, o volume de folhas, a gramagem do papel, os caracteres e a sua composição página a página. O livro deixou de ser um mero objecto. O livro é uma amálgama de coisa e eu-mesmo. Este eu-mesmo é duas mortes: a minha e a do autor. O fim do tempo que demorei a ler o livro, o fim do tempo que ele demorou a escrevê-lo."
 
Paulo José Miranda  em "Um prego no coração"